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Nº 1726 - Ano 37
14.02.2011


Jornalismo antropológico

Em monografia do curso de Comunicação da UFMG, jornalista mergulha na cultura do desconhecido Suriname

João Kleber de Mattos e Hélio Brandão

Luiza de Andrade
Manuscrito
 
Luiza de Andrade
Manuscrito
Fiéis frequentam mesquita (acima) e sinagoga na mesma rua: prova da diversidade cultural do Suriname

 

Simpática e articulada, a jornalista Luiza Silva de Andrade, recém-formada em Comunicação Social pela UFMG, ouviu de um taxista de Paramaribo, capital do Suriname, uma sugestão, no mínimo, curiosa: “Se você trabalhasse no Pérola lucraria bastante”. O Pérola é um dos vários prostíbulos legalizados daquele país de colonização holandesa.

O fato de não ter visitado o prostíbulo – e para não correr maiores riscos desistiu de ir a uma mina de ouro – não impediu a jornalista de produzir um relato pujante deste desconhecido país que faz fronteira com o Brasil pelos estados do Pará e Amapá. Sua incursão de 15 dias – de meados de setembro a 1º de outubro de 2010 – rendeu uma revista eletrônica, composta por três reportagens, e um diário, que sistematizou suas experiências e curiosidades. Todo esse material foi reunido no trabalho Antropojornalismo no Suriname, apresentado em dezembro como monografia de final de curso.

Luiza Andrade foi apresentada ao Suriname entre 2008 e 2009, quando fez intercâmbio na Universidade Livre de Amsterdã. Na Holanda, ela estudou Antropologia e conheceu curiosidades sobre a ex-colônia. Uma delas, a carência de salas de cinema no país, motivou a viagem. Segundo ela, o Suriname passou dez anos sem qualquer contato com a “tela grande”. Lá impera a pirataria cinematográfica.

“A TV anuncia os lançamentos de filmes recém-lançados no circuito americano em sua programação, e os jornais a imprimem sem qualquer pudor. A grade de horários exibe, inclusive, a reprodução das capas das caixas dos DVDs, com cenas copiadas dos cartazes”, diz, estarrecida.

Ao chegar lá, no entanto, seu olhar se deparou com outras realidades. Daí nasceram mais duas reportagens: uma matéria sobre a situação da comunidade brasileira e outra sobre a diversidade étnica e cultural no Suriname. Cerca de 30 mil brasileiros, metade em situação ilegal, moram no país. Em sua maioria, garimpeiros que deixaram o Piauí e o Pará com a exaustão das atividades de mineração em Serra Pelada. Segundo ela, a imagem dos brasileiros entre os surinameses não é das melhores. “Acham que são garimpeiros ou prostitutas”, diz a jornalista. Sobre a diversidade cultural do Suriname, Luiza se impressionou com o fato de que, em Paramaribo, uma mesquita e uma sinagoga coexistem pacificamente na mesma rua.

Subjetividade

O trabalho de Luiza Andrade se insere no que se chama de antropojornalismo, área que mistura as técnicas de apuração jornalística com o olhar sofisticado do antropólogo sobre culturas, povos e comunidades diferentes. Segundo ela, o antropojornalismo está impregnado pela subjetividade. “Ele é assumidamente subjetivo. Diferente de um tipo de jornalismo pretensamente objetivo que não assume que faz determinadas escolhas em detrimento de outras”, critica.

Luiza Andrade avalia que o antropojornalismo precisa percorrer um amplo caminho para se consolidar como gênero. “A bibliografia na área é muito escassa”, afirma ela, ao vislumbrar no estilo uma forma de dar maior visibilidade às pesquisas antropológicas.

A revista Antropojornalismo no Suriname pode ser acessada em www.issuu.com/l.andrade.

Bauxita e ditadura

Colonizado pela Holanda, o Suriname tem apenas 35 anos como nação livre, boa parte deles sob a tutela de regimes antidemocráticos. Em 1980, um golpe militar comandado por Desi Bouterse impôs toque de recolher e prendeu opositores. Sete anos depois, pressionado pela comunidade internacional e pela crise econômica que assolou o país, Bouterse renunciou, voltando ao poder em 1990. Em 1999, foi condenado, à revelia, por tráfico de cocaína por um tribunal na Holanda. No ano passado, o ex-ditador voltou a mostrar sua influência, sendo eleito presidente pelo parlamento surinamês.

O Suriname possui 470 mil habitantes distribuídos em um território que corresponde a um terço da área ocupada pelo estado de Minas Gerais. A extração de bauxita é sua principal atividade econômica.