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Nº 1726 - Ano 37
14.02.2011

Um só “tiro” no BOTULISMO

Nova vacina desenvolvida pela UFMG contra doença que atinge rebanho bovino garante imunização com dose única

Fred Lamêgo

Em uma única dose, milhões de bezerros imunizados. É o que promete pesquisa em curso na UFMG que busca desenvolver nova vacina contra o botulismo tipo D, doença alimentar que atinge anualmente 720 mil cabeças de gado. Resultados dos estudos foram apresentados como tese de doutorado do pesquisador Edson Moura, defendida no início do mês junto ao Programa de Pós-graduação em Farmácia da UFMG.

A vacina proposta por Moura difere na formulação e nos benefícios que poderá proporcionar ao rebanho bovino brasileiro e aos seus criadores. O produto disponível no mercado, concebido à base de sais de alumínio, exige duas aplicações para surtir efeito nos animais que o receberão pela primeira vez. Já a vacina em estudo na UFMG é preparada com quitosana, formulada em hidrogel ou em micropartículas. “Desenvolvemos um sistema de liberação que, com uma única dose (single shot), consegue obter uma resposta imunológica melhor do que a alcançada por duas doses da vacina tradicional”, compara Moura.

Uma dose a menos parece pouco, mas quando esse número é multiplicado pelos milhões de bezerros que anualmente são imunizados no Brasil, essa conta toma outras proporções. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil aproximadamente 205 milhões de cabeças de gado, sendo que 48 milhões são bezerros. A utilização da vacina single shot em apenas metade desse contingente traria uma economia estimada de R$126 milhões anuais. “Quando da aplicação de uma segunda dose, o animal perde, em média, 1,5 kg, devido ao estresse gerado durante o processo de manejo, diminuindo a produtividade”, explica o pesquisador.

A vacina

Segundo Edson Moura, toda vacina contra botulismo é formada por toxoide – toxina botulínica atenuada – que, para se tornar eficaz na imunização do animal, precisa se misturar com outras substâncias, os chamados adjuvantes. Nas vacinas existentes no mercado, essa substância é um sal de alumínio, em geral, o hidróxido de alumínio. Em seu estudo, Edson Moura propõe a quitosana, polímero encontrado no exoesqueleto de crustáceos, o segundo mais abundante na natureza.

A troca de adjuvante permitiu modificar a maneira como o antígeno é apresentado ao organismo. Conforme explica Edson Moura, a quitosana provavelmente opera como um reservatório, em hidrogel ou em micropartícula, que fornece o antígeno ao organismo de forma mais prolongada. “Isso reduz o risco dele sofrer rapidamente a degradação proteolítica*. Além disso, a quitosana tem por característica estimular células específicas do organismo, como os macrófagos, e induzir a produção de anticorpos para neutralizar a ação da toxina”, informa Moura.

Como a quitosana exerce melhor o papel adjuvante que o hidróxido de alumínio, as vacinas que se valem do polímero favorecem a manutenção mais alta e constante das taxas de anticorpos. Em experimentos biológicos, a vacina convencional e as com quitosana apresentaram índice satisfatório de anticorpos no 42º dia de vida do animal. No entanto, esclarece o pesquisador, testes de eficácia realizados em cobaias indicam que a imunidade tende a cair ao longo do tempo nas vacinas convencionais. Em contrapartida, aquelas formuladas com quitosana aumentam os níveis de anticorpos, chegando a superar em 20 vezes o produto com hidróxido de alumínio.

Armazenamento

A vacina desenvolvida por Edson Moura trabalha com duas alternativas para o armazenamento do antígeno no organismo: hidrogel e micropartículas de quitosana. O hidrogel, sistema gelificado em meio aquoso, é carregado de cargas positivas e interage com o toxoide, de carga negativa.

A vantagem do hidrogel, segundo Edson Moura, está em seu processo de obtenção, relativamente simples na indústria farmacêutica. Já as micropartículas poliméricas, além de mais eficientes no papel de reservatórios que o hidróxido de alumínio, têm maior capacidade de proteger o toxoide da degradação proteolítica processada no organismo, já que forma um invólucro em torno dele. A desvantagem está no processo de produção, mais caro e sofisticado.

Doença é provocada por alimentos contaminados

O botulismo é uma infecção alimentar potencialmente fatal causada pela toxina liberada pela bactéria Clostridium botulinum. Entre os tipos de toxinas produzidas, dois afetam os animais – C e D. O último foi alvo dos estudos de Edson Moura.

A doença é contraída por meio da ingestão de toxina ou bactéria presente na carcaça de animais mortos deixados no campo ou de alimentos contaminados com carcaças de aves e pequenos animais. A incidência é maior quando o animal é acometido por osteofagia, hábito de roer ou lamber carcaças, ocasionado por deficiência de fósforo.

Tese: Desenvolvimento de vacina contra botulismo tipo D utilizando como adjuvantes micropartículas e hidrogel de quitosana Autor: Edson de Souza Moura Defesa: 2 de fevereiro de 2011, junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia Orientador: Armando da Silva Cunha Júnior Co-orientador: Luiz Guilherme Dias Heneine

*Processo de destruição e eliminação de proteínas no organismo provocado pela ação de enzimas (proteases) que clivam as ligações entre os aminoácidos.