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Nº 1743 - Ano 37
8.8.2011

opiniao

O Projeto Manuelzão e a TRANSDISCIPLINARIDADE

Apolo Heringer Lisboa*

Estamos plenamente conscientes das dificuldades inerentes à complexidade da estrutura de governo da UFMG, que sempre precisa consertar o carro em movimento. Mas, ao mesmo tempo, decisões históricas precisam ser tomadas, indo além do senso comum, para mudar o rumo das universidades brasileiras.

E estamos aqui solicitando fraternalmente a solidariedade acadêmica aos nossos colegas professores, estudantes e técnicos da UFMG bem como da direção da Universidade, para que examinem nossas ponderações sobre as condições de trabalho do Projeto Manuelzão. Vivemos um momento de intensa angústia e impasse, resultado dos efeitos cumulativos e sinérgicos de adiamentos constantes de decisões por força de circunstâncias conceituais, institucionais e práticas no interior da UFMG nos anos passados. Fizemos a nossa parte nesses 14 anos.

Não podemos aceitar passivamente o findar de nossas esperanças de sujeitos do processo histórico e terminar em vão tantos esforços, reconhecidos pela academia e pelo conjunto da sociedade, pelo que estamos realizando em ensino, pesquisa e extensão focados na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.

A UFMG não se preparou devidamente para esse momento. A criação de órgãos suplementares ou de núcleos transdisciplinares está na ordem do dia no plano internacional. Na ausência de condições institucionais ideais, é mais conveniente se pagar o preço de deixar iniciativas criadoras aflorarem, trazendo sentimentos novos à universidade, que pisar no freio. É preferível viver uma primavera. Essa atitude será melhor que sufocar essas atividades agora para depois tentar ressuscitá-las. Os momentos não voltam. A história reconhecerá o mérito e a coragem dos dirigentes da UFMG em correr os riscos da mudança, mesmo porque não mudar agora é risco maior. Sabemos que a inteligência emocional move, enquanto a racionalização burocrática paralisa.

A transdisciplinaridade só é possível com a transgressão de fronteiras conceituais e princípios tradicionais de organização do conhecimento. Sim, respeitar as disciplinas é imprescindível, pois geram conhecimentos, mas elas precisam ter liberdade para se articularem. Imaginamos que seja este o sentido de finalmente estarmos todos nos concentrando no campus Pampulha, superando nossa origem de unidades autônomas. A um Prêmio Nobel de Medicina é atribuída a máxima segundo a qual “o mundo tem problemas, a universidade tem departamentos”. A frase resume o quanto o isolamento das áreas prejudica a pesquisa, o ensino e a compreensão do Universo. A universidade não pode ter muros interiores. A transdisciplinaridade é hoje, inclusive, defendida pelo Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão (Cepe) como uma das prioridades de investimentos e articulações para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Mas toda estrutura de poder e de gerenciamento tem por lógica a sua própria sobrevivência e reprodução, e nessa direção é costume abdicar de seus projetos de transformação, resistindo às mudanças. Porém, elas não são mais importantes que as transformações qualitativas impulsionadas pelo desenvolvimento das forças produtivas do conhecimento.

O desenho institucional da UFMG está defasado frente ao desenvolvimento das iniciativas acadêmicas mais avançadas. Para fazer, há muito mais obstáculos que para deixar de fazer; não faz nem deixa fazer. Essa lógica é perversa. No nosso caso, não nos move nenhum sentimento menor, seja de corporativismo, de propriedade intelectual, de poder, trata-se unicamente de uma linha de trabalho em torno de uma teoria e de uma proposta acadêmica de ensino, pesquisa e mobilização da sociedade, que conquistaram amplo respaldo da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.

Reivindicamos que nos seja concedido o terreno já prometido para construirmos o Centro Transdisciplinar em Bacias Hidrográficas e Saúde Coletiva Ecossistêmica/Projeto Manuelzão/UFMG, para integrar as nossas atividades acadêmicas de ensino-pesquisa, extensão e pós-graduação dos diversos departamentos e disciplinas que integram o Projeto Manuelzão, arcando nós com os custos de construção e dos equipamentos através de captações de nossa responsabilidade. Isso dará plenas condições para o funcionamento do nosso Conselho Gestor Transdisciplinar e convivência acadêmica. Aliás, o ex-reitor Ronaldo Pena e seus pró-reitores tinham esse entendimento e se comprometeram oferecendo área para esta construção, que chegou a ser reservada em croquis pela professora Maria Lúcia Malard, e obteve parecer favorável do professor Bismarck Vaz da Costa, que ficou na dependência de assinatura de uma unidade responsável. Chegamos a mobilizar parceiros externos à UFMG solidários em apoiar e financiar esta edificação, de características ecológicas.

O objetivo é trabalhar em uma perspectiva estratégica de expansão das metodologias consolidadas na bacia do Rio das Velhas para a bacia de todo o Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade. Dessa forma, a liderança e a capacidade nucleadora de nossa Universidade serão construídas em redes de parcerias nacionais e internacionais na busca de soluções na área ambiental. Consideramos que nesses 14 anos conquistamos legitimidade social e acadêmica para apresentar esta proposta à UFMG e credibilidade para afiançá-la.

O todo é maior que a soma das partes, assim como a UFMG é maior que a soma de departamentos e unidades, e o Manuelzão é maior que os seus setores e atividades tomados isoladamente e fisicamente desconectados. O desenvolvimento da ciência tem se dado pela revisão e reorganização permanente dos seus princípios e não pelo mero acúmulo dos conhecimentos. Esse é um dos princípios da transdisciplinaridade, sendo essencial uma convivência que permita essas discussões cotidianas em função de interesses científicos e metas. O Manuelzão está e sempre esteve aberto a seguir essa linha de trabalho.

* Professor da Faculdade de Medicina e coordenador do Projeto Manuelzão

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