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Nº 1743 - Ano 37
8.8.2011

Conversas SEM PRESSA

Livro reproduz encontros nos quais pesquisadores debatem a universidade que sonham

Itamar Rigueira Jr.

Imagine conversas sem urgência e sem hierarquia, sobre temas como crítica e criatividade, ecologia de saberes e formação dos sujeitos do conhecimento, realizadas em uma sala do Instituto de Geociências (IGC) – ou ainda por telefone e e-mail. Esses encontros, que remetem aos gregos antigos, e que reúnem pesquisadores de áreas e instituições diversas, foram transformados no livro Conversações – de artes e de ciências, lançado pela Editora UFMG.

O grupo de leitura e de estudos é chamado de “ateliê de escrita” pelo professor Cássio Vianna Hissa, do IGC, que idealizou os encontros, iniciados em 2004, e organizou a publicação. Segundo ele, o livro aprofunda a leitura de temáticas abordadas em projetos passados que geraram obras como A mobilidade das fronteiras e Saberes ambientais (ambas também publicadas pela Editora UFMG). Segundo Hissa, as reuniões “fazem aflorar ainda questões como a escrita acadêmica, a transdisciplinaridade, a presença substantiva da arte numa ciência que se quer reconstruída e possibilidades não convencionais de interpretação do mundo”.

De acordo com o organizador, os diálogos que compõem o livro cultivam a ideia de ensaio, investindo mais em perguntas do que em respostas. E a motivação dos participantes é relativamente diferente daquela que os move nas atividades de rotina. “Nossos encontros não são institucionalizados. Experimentamos liberdade e estendemos o tempo, numa espécie de pausa criativa para pensar e construir ‘caminhos de fazer’ que são incompatíveis com aqueles trilhados pela universidade moderna, que vive o tempo da pressa”, explica o geógrafo.

Da UFMG participam muitos alunos e ex-alunos de pós-graduação e professores como Luis Alberto Brandão, da Faculdade de Letras (Fale), Wellington Cançado e Renata Marquez, ambos da Escola de Arquitetura. E alguns capítulos de Conversações contam com a participação especial de nomes como o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o geógrafo Milton Santos e o músico Gilberto Gil. Para Cássio Hissa, a presença de pensadores reconhecidos internacionalmente – “que são fortes por acreditar que é necessário fazer algo diferente” – pode ser considerada “transgressora” no convívio com outros que ele chama de “clandestinos”.

Em busca de solidariedade

Em texto de apresentação para o livro, a professora Sonia Queiroz, da Fale, exalta a opção pelo diálogo, que resulta “na amplificação da potência das vozes individuais, dos pequenos grupos de pensadores, que, assim, ressoam mais longe”. Para ela, escutar essas vozes leva a compreender que “o conhecimento é sempre incompleto e plural: feito de saberes diversos, diferentes tradições e experimentações, que podem se articular em busca de uma humanidade, uma solidariedade”.

Autora do prefácio, a professora emérita da UFMG Eneida Maria de Souza destaca, por sua vez, que a troca de experiências “resgata o saber como ato político e gesto de cidadania”. Segundo ela, o que mais conta na iniciativa é “a desconfiança diante do raciocínio binário, do maniqueísmo e do pensamento apoiado em clichês e lugares-comuns”. Eneida lembra ainda que o livro só poderia mesmo ter assinatura plural, aspecto que caracteriza a circulação livre de opiniões. “A qualidade maior deste volume coletivo é a visibilidade de uma proposta de discussão da ciência e da arte dentro e fora de seus territórios”, ela escreve.

Não por acaso representadas explicitamente no título da obra, a arte e a ciência têm suas relações e interseções esmiuçadas em boa parte dos diálogos. Cássio Hissa comenta que há, naturalmente, diferenças de leitura. E, para abordar o tema, ele pinça uma fala do arquiteto e artista plástico Guto Lacaz, para quem “tudo é arte”. Uma afirmação, que segundo Hissa, é a um só tempo corajosa e ambígua: “A ciência moderna é arte pervertida. Ela refuta a arte como um corpo estranho que, contraditoriamente, carrega consigo e, com isso, deixa de ser a ciência libertadora que precisamos praticar”.

Livro: Conversações – de artes e de ciências
Organizado por Cássio E. Vianna Hissa
Editora UFMG
315 páginas / R$ 58 (preço sugerido)