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Nº 1743 - Ano 37
8.8.2011


“Temos a ILUSÃO de viver em um MUNDO VIRTUAL”

Gabriela Praça

Catedrático da Universidade de Murcia (Espanha), o intelectual Francisco Jarauta discorre sobre a problemática contemporânea com a autoridade de quem dedicou toda uma vida aos estudos. Doutor em História da Arte, em Filosofia e em Antropologia, ele articula ideias sobre assuntos distintos como espaço urbano, arte, novas mídias e a universidade, contextualizando as transformações socioculturais e costurando um rico e embasado panorama sobre nossa época. Jarauta esteve na UFMG no mês passado, quando ministrou três palestras no Festival de Inverno. Em entrevista ao BOLETIM, o intelectual refletiu sobre o conceito de arte, ponderou sobre a função da universidade e questionou o papel dos museus.

Qual seria o lugar da arte em um mundo fluido e em constante movimento?

Toda arte se articula às condições de sua época – e esse princípio vale, também, para nossa situação atual. Em nosso tempo, marcado por muitas trocas e grandes mudanças, pode-se dizer que a matéria da arte é a própria experiência da época: suas trocas, seus conflitos, suas transformações. A arte deve expressar livremente essa complexidade, adequando-se a cada um dos territórios. O artista não é um sujeito abstrato; ele vive em uma cidade, tem uma cultura, se expressa com uma linguagem, tem uma sensibilidade e, a partir disso, constrói sua resposta. Hoje, assistimos a uma multiplicidade, uma pluralidade de formas de arte, de linguagens artísticas, de vozes, de músicas. Todas elas, ao seu modo, representam a particularidade de nossa época.

Como as novas tecnologias alteram a concepção de arte?

Em primeiro lugar, as novas tecnologias abriram um espaço imenso no campo da arte. Obviamente, apareceram novos suportes, mas, ao mesmo tempo, modificaram-se, também, as condições da cultura. A aparição da internet significa, por exemplo, a aparição de um mundo virtual líquido, que flui e que, de alguma forma, se contrapõe ao mundo real. Essa dicotomia entre mundo real e mundo virtual faz com que, muitas vezes, nós esqueçamos que estamos em um mundo real, porque temos a ilusão de viver em um mundo virtual.

Nesse contexto, qual seria o papel da universidade?

Essa pergunta serve não só para a universidade, mas para outras instituições. Obviamente, o lugar que ocupa a universidade no contexto social é muito importante porque é uma instituição que tem, em primeiro lugar, a responsabilidade de criar uma profissão, garantir uma competência, desenvolver uma forma de intervir – seja com meios científicos ou profissionais – no mundo em que se vive.Há universidades que pretendem ser fundamentalmente profissionalizantes, e outras que, além dessa função, também produzem e desenvolvem ciência. São modelos distintos: o primeiro, mais voltado para a pesquisa, nasceu na Universidade Humboldt [Berlim], no início do século 19, e o segundo, de orientação napoleônica, busca produzir, sobretudo, profissionais para o mundo atual.

Em uma sociedade com cada vez menos referenciais perenes, a universidade ainda mantém a mesma importância, ou o ensino acadêmico tem sua relevância relativizada diante de novas formas de aprendizagem?

Está muito relativizado porque o teorema com o qual se trabalhava já não funciona mais. Antes, havia certa simetria entre ensino universitário, modelo profissional e mercado de trabalho. O que saltou foi o mercado, com a introdução das novas tecnologias, que modificaram a organização do trabalho. Apareceram novas profissões, e a relação entre universidade, profissão e campo de trabalho já não é mais simétrica. Agora, cada um de nós precisa construir um perfil profissional próprio. Tenho que me programar: “Eu vou fazer isso, eu vou saber aquilo”. Então, tenho que construir um conjunto de informações que se complementam, de uma maneira ou de outra, senão perco o trem do futuro.

A arte contemporânea extrapolou os espaços dos museus e foi para as ruas ocupar os mais diversos espaços urbanos. Nesse contexto, o artista estaria mais ativo diante das questões sociais de seu tempo?

Embora seja uma instituição moderna, o museu é, por princípio, conservador: reúne as obras da antiguidade e da época moderna, com intuito de proteção e de comunicação – e, inclusive, com fins pedagógicos. Contudo, hoje, o museu é uma das instituições mais questionadas. Mas, quando se fala em arte do século 20 ou do século 21, isso é mais complicado. O Museu de Arte Moderna de Nova York [MoMA], por exemplo, foi o melhor historiador da arte do século 20, responsável por legitimar as tradições artísticas, o modelo que todos os museus de arte moderna seguiram. Hoje, você visita o MoMA e se aborrece, porque ele é incompetente para analisar os problemas do mundo contemporâneo. Suas leituras são anacrônicas. Os museus devem ser sismógrafos do mundo atual, atingindo o centro da cultura contemporânea – e nem tudo passa pelas artes plásticas, mas pela literatura, pela música e por todos os campos em que a experiência estética se realiza. Somos vítimas de uma separação muito radical que nos faz crer que as artes são somente a pintura e a escultura. Isso é um erro gravíssimo. Temos que reagrupar e desenvolver uma sensibilidade que nos permita relacionar as artes.