Ele foi o primeiro reitor eleito diretamente na UFMG, o primeiro da área da saúde e o primeiro após o fim do regime militar. Cid Velloso, professor da Faculdade de Medicina e dirigente máximo da Universidade de 1986 a 1990, pagou preço alto por tamanho pioneirismo: precisou lançar mão de muita paciência e diálogo para cuidar de um sistema de vagas desorganizado, lidar com disputas no seio da comunidade universitária e com reivindicações diversas de funcionários e alunos.
“Já no processo de escolha do reitor, havia um clima difícil, marcado por corporativismo e partidarismo. E ele encontrou parte dos equipamentos e do acervo bibliográfico da Universidade um tanto sucateados, pressões por salários mais altos e estudantes sedentos por mudanças. Eram marcas da luta de seus antecessores contra a ditadura”, relembra a professora e historiadora Maria Efigênia Lage de Resende, que foi chefe de gabinete de Velloso.
Ela ressalta, entretanto, que o reitor fez valer algumas de suas maiores qualidades, como a tolerância e a disposição para o debate, para resolver problemas e combater a tendência de muitos “a confundir autoridade com autoritarismo”, de acordo com Maria Efigênia. Ela recorda que Cid Velloso trabalhou pela regulamentação do retorno de membros da comunidade cassados pela ditadura – “um processo complicado” –, participou intensamente de um conselho de reitores de todo o país, em defesa sobretudo da educação pública, e apoiou a chefe de gabinete quando ela resolveu preservar arquivos gerados pela representação, na UFMG, do serviço de inteligência dos governos militares.
Cid Velloso morreu na noite de 9 de setembro de 2016, em Belo Horizonte, e seu corpo foi velado no hall do edifício da Reitoria, no campus Pampulha. Assim que recebeu a notícia, o reitor Jaime Ramírez destacou a generosidade e a paixão de Cid pela Universidade. “Ele foi democrata e conciliador, soube valorizar os órgãos colegiados superiores e conduziu com maestria a contribuição da UFMG à Constituição Federal de 1988.”
Ramírez destacou ainda que, em sua gestão, Cid Velloso lançou as bases das normas de graduação e pós-graduação, incentivou o ensino, a pesquisa e a extensão e ajudou a levar à UFMG à posição de destaque que ela ocupa no cenário nacional. Além disso, era muito atencioso e solícito, aprendi muito com ele”, completou.
Professor emérito da UFMG, Cid Velloso foi também vice-diretor e diretor da Faculdade de Medicina, ocupou os mesmos cargos no Hospital das Clínicas, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica e presidente da Associação Médica de Minas Gerais. Implantou o Programa de Saúde da Família, em Minas Gerais, na década de 1990. Em 1993, foi um dos fundadores da Caixa de Assistência à Saúde da UFMG (Casu), na qual atuou, com diversas funções, até seus últimos dias de vida.
Nos últimos anos, lançou dois livros extra-acadêmicos: Doutor viagem, com memórias de lugares que visitou e situações que viveu dentro e fora do Brasil, e Anos 60: os movimentos que mudaram o mundo, no qual resgata fatos marcantes do período e seus desdobramentos. Cid deixou quatro filhos e três netos, do casamento de 36 anos com a psicóloga e artista plástica Helena Lúcia Farnezi Velloso, que foi constante nos eventos da UFMG e morreu em 1999. Em 2004, Cid casou-se com a professora Roseni Rosângela de Sena, ex-diretora da Escola de Enfermagem da UFMG, que faleceu alguns dias depois da morte do marido, em setembro de 2016.
Em depoimento para o livro Memória de reitores (1961-1990), organizado pelas professoras Maria Efigênia Resende e Lucília de Almeida Neves e publicado pela Editora UFMG em 1998, Cid Velloso afirmou que a então recente abertura democrática refletiu intensamente na Universidade. “Na minha gestão, houve uma abertura total interna, incentivada pelo meu estilo de trabalhar. Me influenciei pela efervescência daquele momento histórico, e a minha gestão foi, de fato, muito democrática”, disse o reitor na gestão 1986-1990.
Cid era defensor convicto do ensino público e gratuito, voltado exclusivamente para o interesse público, embora deixasse claro que deveria haver liberdade para a opção pelo ensino privado. “Por mais que haja escolas privadas de alta qualidade, será sempre um ensino direcionado a interesses de segmentos da sociedade: grupos econômicos, políticos, empresariais, religiosos. Houve uma grande luta na Constituinte, e nós conseguimos manter a gratuidade para todos na Universidade pública”, disse, em outra resposta do livro.
Ainda em seu depoimento à professora Lucília Neves, Cid Velloso lembrou que trabalhou pelo investimento humano e financeiro na graduação e para superar dificuldades na comunicação interna e externa. Reformou o Boletim UFMG e passou a dar entrevistas frequentes aos meios de comunicação. “Era preciso construir mecanismos de aproximação com a sociedade, pois a Universidade estava fechada demais. Por isso, implementei programas culturais, que fazem a população sentir a presença da Universidade.”
Cid não concordava com a fama de assistencialista que ficou associada a sua gestão. Dizia que investiu nos restaurantes e construiu uma creche, entre outras iniciativas que beneficiaram a comunidade no aspecto social, mas não deixou de fazer muitas obras e privilegiar as atividades acadêmicas. “Dei ênfase à pesquisa, à graduação, apoiei a extensão. Acho que a minha gestão não foi paternalista, mas tive grande sensibilidade para os problemas que afligiam os funcionários e toda a comunidade”, disse o mineiro de Pium-hi, ainda na entrevista para o livro.
Na despedida a Cid Velloso, dirigentes e amigos destacaram qualidades que marcaram as pessoas e a Universidade. A vice-reitora Sandra Goulart Almeida se declarou inspirada pela dedicação do reitor à Instituição. “É uma perda enorme”, disse.
Ex-reitores como Francisco Sá Barreto e Ana Lucia Gazzolla tiveram Cid como médico e amigo. “Ele foi gentil como pessoa e como administrador, mas soube conduzir a UFMG com firmeza, sempre sem fazer alarde”, recordou Sá Barreto. “Ele viabilizou projetos extraordinários e valorizava o trabalho dos auxiliares”, afirmou Gazzolla, que foi pró-reitora de Graduação na gestão de Cid Velloso.
Integrante de grupo de oposição no processo de consulta que escolheu Velloso para administrar a Universidade, Clélio Campolina (que viria a também tornar-se reitor, em 2010-2014) foi convidado para presidir o Conselho Curador da Fundep. “Foi um homem correto e absolutamente institucional, além de muito afável no trato pessoal”, elogiou Campolina.
Marcos Roberto Ribeiro, diretor de Relações Institucionais da Casu, caixa de assistência à saúde dos servidores, destacou que Cid nunca interrompeu o trabalho pela entidade. “Ele deu credibilidade à Casu e foi fundamental para que se realizasse o sonho do cuidado efetivo à saúde professores e técnicos.”
A lealdade e o carinho que Cid sempre demonstrou pela UFMG e pelas pessoas com quem conviveu na Universidade sempre chamaram a atenção do filho Marcelo. “Outra característica muito forte foi a responsabilidade com a qual tratava a saúde e educação”, disse Marcelo, no dia do velório, lembrando que a vida de Cid Velloso se dividia entre a família e o trabalho, que incluía a medicina e a UFMG, com espaço para a afeição pelo rock’n’roll: colecionava discos e conhecia a fundo a história do gênero.