Cid Velloso – Firmeza e diálogo para conduzir a UFMG na redemocratização

CID VELLOSO
FIRMEZA E DIÁLOGO PARA CONDUZIR A UFMG NA REDEMOCRATIZAÇÃO
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Foto: Eber Facioli. Ago/ 1989
Foto: Eber Facioli. Ago/ 1989
Foto: Silvana Soares
Foto: Silvana Soares
Foto: Mário Guinaud. Abril/ 1987
Foto: Mário Guinaud. Abril/ 1987
POR ITAMAR RIGUEIRA JR. | PUBLICADO EM 2/6/2017

 

Ele foi o primeiro reitor eleito diretamente na UFMG, o primeiro da área da saúde e o primeiro após o fim do regime militar. Cid Velloso, professor da Faculdade de Medicina e dirigente máximo da Universidade de 1986 a 1990, pagou preço alto por tamanho pioneirismo: precisou lançar mão de muita paciência e diálogo para cuidar de um sistema de vagas desorganizado, lidar com disputas no seio da comunidade universitária e com reivindicações diversas de funcionários e alunos.

“Já no processo de escolha do reitor, havia um clima difícil, marcado por corporativismo e partidarismo. E ele encontrou parte dos equipamentos e do acervo bibliográfico da Universidade um tanto sucateados, pressões por salários mais altos e estudantes sedentos por mudanças. Eram marcas da luta de seus antecessores contra a ditadura”, relembra a professora e historiadora Maria Efigênia Lage de Resende, que foi chefe de gabinete de Velloso.

Ela ressalta, entretanto, que o reitor fez valer algumas de suas maiores qualidades, como a tolerância e a disposição para o debate, para resolver problemas e combater a tendência de muitos “a confundir autoridade com autoritarismo”, de acordo com Maria Efigênia. Ela recorda que Cid Velloso trabalhou pela regulamentação do retorno de membros da comunidade cassados pela ditadura – “um processo complicado” –, participou intensamente de um conselho de reitores de todo o país, em defesa sobretudo da educação pública, e apoiou a chefe de gabinete quando ela resolveu preservar arquivos gerados pela representação, na UFMG, do serviço de inteligência dos governos militares.

Foto: Foca Lisboa. Fev/ 1989
Foto: Foca Lisboa. Fev/ 1989
Fotos: Foca Lisboa. Fev/ 1989
Foto: Foca Lisboa. Fev/ 1989
Foto: Foca Lisboa. Fev/ 1989
PELA CONSTITUIÇÃO

Cid Velloso morreu na noite de 9 de setembro de 2016, em Belo Horizonte, e seu corpo foi velado no hall do edifício da Reitoria, no campus Pampulha. Assim que recebeu a notícia, o reitor Jaime Ramírez destacou a generosidade e a paixão de Cid pela Universidade. “Ele foi democrata e conciliador, soube valorizar os órgãos colegiados superiores e conduziu com maestria a contribuição da UFMG à Constituição Federal de 1988.”

Cid Velloso e Jaime Ramírez, na posse de Jaime como reitor da UFMG, em 2014. Foto: Foca Lisboa
Cid Velloso e Jaime Ramírez, na posse de Jaime como reitor da UFMG, em 2014. Foto: Foca Lisboa

Ramírez destacou ainda que, em sua gestão, Cid Velloso lançou as bases das normas de graduação e pós-graduação, incentivou o ensino, a pesquisa e a extensão e ajudou a levar à UFMG à posição de destaque que ela ocupa no cenário nacional. Além disso, era muito atencioso e solícito, aprendi muito com ele”, completou.

Professor emérito da UFMG, Cid Velloso foi também vice-diretor e diretor da Faculdade de Medicina, ocupou os mesmos cargos no Hospital das Clínicas, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica e presidente da Associação Médica de Minas Gerais. Implantou o Programa de Saúde da Família, em Minas Gerais, na década de 1990. Em 1993, foi um dos fundadores da Caixa de Assistência à Saúde da UFMG (Casu), na qual atuou, com diversas funções, até seus últimos dias de vida.

Nos últimos anos, lançou dois livros extra-acadêmicos: Doutor viagem, com memórias de lugares que visitou e situações que viveu dentro e fora do Brasil, e Anos 60: os movimentos que mudaram o mundo, no qual resgata fatos marcantes do período e seus desdobramentos. Cid deixou quatro filhos e três netos, do casamento de 36 anos com a psicóloga e artista plástica Helena Lúcia Farnezi Velloso, que foi constante nos eventos da UFMG e morreu em 1999. Em 2004, Cid casou-se com a professora Roseni Rosângela de Sena, ex-diretora da Escola de Enfermagem da UFMG, que faleceu alguns dias depois da morte do marido, em setembro de 2016.

Posse de Cid Velloso como membro titular da Academia Mineira de Medicina, em 2014, na Associação Médica de Minas Gerais. Foto: Foca Lisboa
Posse de Cid Velloso como membro titular da Academia Mineira de Medicina, em 2014, na Associação Médica de Minas Gerais. Foto: Foca Lisboa
Posse de Cid Velloso como membro titular da Academia Mineira de Medicina, em 2014, na Associação Médica de Minas Gerais. Foto: Foca Lisboa
Posse de Cid Velloso como membro titular da Academia Mineira de Medicina, em 2014, na Associação Médica de Minas Gerais. Foto: Foca Lisboa
Posse de Cid Velloso como membro titular da Academia Mineira de Medicina, em 2014, na Associação Médica de Minas Gerais. Na terceira foto, Cid recebe homenagem de sua esposa, a professora Roseni de Sena. Fotos: Foca Lisboa
EFERVESCÊNCIA DEMOCRÁTICA

Em depoimento para o livro Memória de reitores (1961-1990), organizado pelas professoras Maria Efigênia Resende e Lucília de Almeida Neves e publicado pela Editora UFMG em 1998, Cid Velloso afirmou que a então recente abertura democrática refletiu intensamente na Universidade. “Na minha gestão, houve uma abertura total interna, incentivada pelo meu estilo de trabalhar. Me influenciei pela efervescência daquele momento histórico, e a minha gestão foi, de fato, muito democrática”, disse o reitor na gestão 1986-1990.

Foto: Sandro Serpa. Abril/ 1997
Foto: Sandro Serpa. Abril/ 1997

Cid era defensor convicto do ensino público e gratuito, voltado exclusivamente para o interesse público, embora deixasse claro que deveria haver liberdade para a opção pelo ensino privado. “Por mais que haja escolas privadas de alta qualidade, será sempre um ensino direcionado a interesses de segmentos da sociedade: grupos econômicos, políticos, empresariais, religiosos. Houve uma grande luta na Constituinte, e nós conseguimos manter a gratuidade para todos na Universidade pública”, disse, em outra resposta do livro.

Ainda em seu depoimento à professora Lucília Neves, Cid Velloso lembrou que trabalhou pelo investimento humano e financeiro na graduação e para superar dificuldades na comunicação interna e externa. Reformou o Boletim UFMG e passou a dar entrevistas frequentes aos meios de comunicação. “Era preciso construir mecanismos de aproximação com a sociedade, pois a Universidade estava fechada demais. Por isso, implementei programas culturais, que fazem a população sentir a presença da Universidade.”

Cid não concordava com a fama de assistencialista que ficou associada a sua gestão. Dizia que investiu nos restaurantes e construiu uma creche, entre outras iniciativas que beneficiaram a comunidade no aspecto social, mas não deixou de fazer muitas obras e privilegiar as atividades acadêmicas. “Dei ênfase à pesquisa, à graduação, apoiei a extensão. Acho que a minha gestão não foi paternalista, mas tive grande sensibilidade para os problemas que afligiam os funcionários e toda a comunidade”, disse o mineiro de Pium-hi, ainda na entrevista para o livro.

DEDICAÇÃO INSPIRADORA

Na despedida a Cid Velloso, dirigentes e amigos destacaram qualidades que marcaram as pessoas e a Universidade. A vice-reitora Sandra Goulart Almeida se declarou inspirada pela dedicação do reitor à Instituição. “É uma perda enorme”, disse.

Ex-reitores como Francisco Sá Barreto e Ana Lucia Gazzolla tiveram Cid como médico e amigo. “Ele foi gentil como pessoa e como administrador, mas soube conduzir a UFMG com firmeza, sempre sem fazer alarde”, recordou Sá Barreto. “Ele viabilizou projetos extraordinários e valorizava o trabalho dos auxiliares”, afirmou Gazzolla, que foi pró-reitora de Graduação na gestão de Cid Velloso.

Posso de Clélio Campolina como reitor da UFMG, em 2010. Na foto, estão os outros reitores da universidade, em ordem: Francisco César de Sá Barreto (1998-2002), Vanessa Guimarães Pinto (1990-1994), Cid Velloso (1986-1990), Tomaz Aroldo da Mota Santos (1994-1998), Ana Lúcia Almeida Gazzola (2002-2006), Ronaldo Tadêu Pena (2006-2010), o próprio Clélio Campolina (2010-2014) e, sentado, .Foto: Foca Lisboa
Posse de Clélio Campolina como reitor da UFMG, em 2010. Na foto, estão os outros reitores da universidade, nesta ordem: Francisco César de Sá Barreto (1998-2002), Vanessa Guimarães Pinto (1990-1994), Cid Velloso (1986-1990), Tomaz Aroldo da Mota Santos (1994-1998), Ana Lúcia Almeida Gazzola (2002-2006), Ronaldo Tadêu Pena (2006-2010), o próprio Clélio Campolina (2010-2014) e, sentado, Aluísio Pimenta (1964-1967). Foto: Foca Lisboa

Integrante de grupo de oposição no processo de consulta que escolheu Velloso para administrar a Universidade, Clélio Campolina (que viria a também tornar-se reitor, em 2010-2014) foi convidado para presidir o Conselho Curador da Fundep. “Foi um homem correto e absolutamente institucional, além de muito afável no trato pessoal”, elogiou Campolina.

Marcos Roberto Ribeiro, diretor de Relações Institucionais da Casu, caixa de assistência à saúde dos servidores, destacou que Cid nunca interrompeu o trabalho pela entidade. “Ele deu credibilidade à Casu e foi fundamental para que se realizasse o sonho do cuidado efetivo à saúde professores e técnicos.”

A lealdade e o carinho que Cid sempre demonstrou pela UFMG e pelas pessoas com quem conviveu na Universidade sempre chamaram a atenção do filho Marcelo. “Outra característica muito forte foi a responsabilidade com a qual tratava a saúde e educação”, disse Marcelo, no dia do velório, lembrando que a vida de Cid Velloso se dividia entre a família e o trabalho, que incluía a medicina e a UFMG, com espaço para a afeição pelo rock’n’roll: colecionava discos e conhecia a fundo a história do gênero.

Cid Velloso e seus filhos Isabela, Marcelo e Andrea, na posse do reitor como membro da Academia Mineira de Medicina. Ao fundo, no canto direito da foto, encontra-se Luciana, também filha de Cid. Foto: Foca Lisboa
Cid Velloso e seus filhos Isabela, Marcelo e Andrea, na posse do reitor como membro da Academia Mineira de Medicina. Ao fundo, no canto direito da foto, encontra-se Luciana, também filha de Cid. Foto: Foca Lisboa