Tomaz Aroldo Mota Santos – O homem das missões institucionais

TOMAZ AROLDO MOTA SANTOS
O Homem das Missões Institucionais
Tomaz toma posse como reitor da UFMG em 1994. Arquivo pessoal
POR ITAMAR RIGUEIRA JR. | PUBLICADO EM 24/8/2017

 

Concluídas as últimas missões institucionais, como diretor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (ICB) e reitor pro tempore da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), tudo indica que finalmente o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos, reitor da UFMG na gestão 1994-1998, começa a assumir a vida de aposentado, ao lado da mulher, a professora Yara Frizzera Santos. Ou não é exatamente assim? Pouco depois de contar como anda a rotina – “muita coisa ficou por fazer, é preciso organizar a vida privada, e estamos lendo e passeando um pouco”–, ele revela planos de trabalhar voluntariamente, durante algumas horas por semana, com pesquisadores do ICB e da Fiocruz. A intenção é avançar na compreensão da imunologia de tumores e da esquistossomose.

“Várias vezes quis voltar do trabalho de gestor para o laboratório, mas tive dificuldades de competir por recursos, em razão da pouca frequência de publicações, consequência da exclusiva dedicação às atividades de dirigente universitário. Quero trabalhar um pouco mais com pesquisa”, explica Tomaz, à mesa do escritório que dá as boas-vindas à casa espaçosa e agradável no bairro Ouro Preto. Dali, ele também ajuda a organizar as comemorações dos 50 anos de formatura na Faculdade de Farmácia da UFMG, em 1968.

Se resta uma ponta de frustração do professor-pesquisador, Tomaz da Mota Santos teve, por outro lado, atuação mais que intensa na área institucional. Depois da graduação, de uma pós em Bioquímica no ICB, quando a unidade ainda funcionava no prédio da Faculdade de Medicina, e de breve temporada como professor no interior de São Paulo, ele ingressou no ICB, como professor, em 1975. Quase dez anos depois, tornava-se pró-reitor de Extensão no Reitorado de José Henrique Santos. Na segunda metade da década de 80, fez pós-doutorado no Instituto Pasteur, em Paris, e na volta ao Brasil, a inflação galopante devorou o valor real de recursos do CNPq que demoraram a chegar para a montagem de um laboratório. Foi a senha para que Tomaz retomasse a política institucional: dirigiu o ICB pela primeira vez a partir de 1990 e, em 1993, candidatou-se a reitor.

Equipe do reitorado do professor Tomaz Aroldo e do vice-reitor, o professor Jacyntho Lins Brandão, em março de 1998. Foto: Foca Lisboa/ UFMG
Equipe do reitorado do professor Tomaz Aroldo e do vice-reitor, o professor Jacyntho Lins Brandão, em março de 1998. Foto: Foca Lisboa/ UFMG
'NADA SE FAZ SOZINHO'

Quando Tomaz da Mota Santos recorda sua gestão à frente da Reitoria, logo vem à sua mente a implantação de uma rede de computadores que, segundo ele, foi fundamental para incrementar a infraestrutura de pesquisa da UFMG. “Naqueles anos, aumentou a produção científica e ainda criamos a CTIT [Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica]”, ele conta. No campo da graduação, o professor cita o esforço pela avaliação que buscava o aperfeiçoamento, a flexibilização curricular e a criação de novos cursos, como o de Agronomia, em Montes Claros (“contra resistências”), com ênfase no semiárido. Diante da escassez de recursos, alguns outros cursos foram organizados à espera de tempo de vacas mais gordas para sua implantação.

Tomaz também guarda boas lembranças de iniciativas de extensão como a itinerância de ações culturais, da criação de bolsas de iniciação à docência, para as licenciaturas, e de obras de infraestrutura – iluminação, construção da Escola de Música, reformas de vários prédios e do Centro Esportivo Universitário, que foi aberto a toda a comunidade da UFMG. Ele menciona também a abertura do pronto atendimento e outras melhorias no Hospital das Clínicas. Na área da assistência estudantil, foi aprovada a política de moradias. “A opção foi por construí-las fora do campus, e estávamos impedidos de usar recursos próprios, por isso a solução de se lançar mão do dinheiro obtido pela Fump com o excedente das antigas taxas de inscrição no vestibular”, lembra Tomaz. “Definimos também que conviveriam nas moradias professores, servidores, alunos carentes e não carentes, com prioridade para os carentes.”

Tomaz da Mota Santos tem a convicção de que sua gestão foi marcada por aquela que é, afinal, uma característica histórica e nacionalmente reconhecida da UFMG. “Se, em outras universidades, é possível identificar algumas áreas que sobressaem, nossa instituição sempre se desenvolveu de maneira equilibrada e harmoniosa”, ele explica, acrescentando que isso se deve à força dos mecanismos colegiados. “A discussão exaustiva é um modo mais lento – e muitas vezes somos criticados por isso –, mas é o que gera medidas duradouras e dá estabilidade à UFMG”, sentencia.

Ele diz que levou suas propostas, mas principalmente coordenou a inteligência e as iniciativas dos diversos atores. “O maior aprendizado da minha gestão foi que nenhum reitor, por mais genial que seja, consegue realizar sozinho. E também é verdade que, por mais insensato, não vai fazer grandes estragos”, diz Tomaz, que chegou a comandar a Andifes, entidade que reúne os dirigentes das universidades federais. “Tive oportunidade de participar do esforço de resistência às tentativas do governo FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente da República] de desmanche das Ifes”, recorda, mais uma vez com orgulho.

Descerramento do retrato de Tomaz como reitor da UFMG. Arquivo pessoal
Descerramento do retrato de Tomaz como reitor da UFMG. Arquivo pessoal
Tomaz toma posse como reitor da UFMG com o vice-reitor Jacyntho Lins Brandão, em 1994. Arquivo pessoal
Tomaz toma posse como reitor da UFMG com o vice-reitor Jacyntho Lins Brandão, em 1994. Arquivo pessoal
CONSENSOS E EQUILÍBRIO

A lembrança dos tempos duros para as universidades públicas está associada, na memória do professor Jacyntho Lins Brandão, vice-reitor na gestão de Tomaz Mota Santos, a outra marca da passagem do companheiro de chapa pela administração central. “Ele se destacou por uma característica muito pessoal, que é o empenho em construir consensos, aparando arestas.” Jacyntho acrescenta que Tomaz soube “criar uma grande coerência interna na Universidade”, não deixando de propor seu crescimento – “com todas as dificuldades, aumentaram as vagas nos cursos de graduação” – e seu aprimoramento em termos acadêmicos e instrumentais, materializado, nesse caso, pela informatização das bibliotecas, com expansão de acervo, e pela valorização da Editora UFMG, entre outras ações.

As viagens e o estresse naturalmente vinculados à posição máxima na UFMG não deixaram de ser sentidos na casa do bairro Ouro Preto. Normalmente muito próximo da família, Tomaz não pôde evitar a redução da presença física e da energia emprestadas à vida doméstica. “Mas ele soube separar as coisas, até certo ponto, com equilíbrio emocional. E nós soubemos ter paciência”, conta Yara, assistente social e professora aposentada da PUC Minas. Ela lembra que os três filhos – Ernesto, que é professor da Fafich, Pedro, professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, e Daniel, sociólogo na Secretaria Estadual de Direitos Humanos – souberam lidar bem, quase sempre, quando alunos da UFMG, com as cobranças normais aos “filhos do reitor”. O casal tem três netos, todos meninos.

Casamento com Yara em 1967, na capela do Colégio Santo Antônio, em BH. Arquivo pessoal
Casamento com Yara em 1967, na capela do Colégio Santo Antônio, em BH. Arquivo pessoal
Com a esposa Yara em Jacaraípe (Espírito Santo), em 1983. Arquivo pessoal
Com a esposa Yara em Jacaraípe (Espírito Santo), em 1983. Arquivo pessoal
Tomaz e Yara em viagem a Ouro Preto. Arquivo pessoal
Tomaz e Yara em viagem a Ouro Preto. Arquivo pessoal
Temporada do pós-doutorado em Paris, com sua família: sua esposa, Yara, e dois de seus filhos, Daniel e Pedro. O terceiro, Ernesto, está atrás da câmera. Arquivo pessoal
Temporada do pós-doutorado em Paris, com sua família: sua esposa, Yara, e dois de seus filhos, Daniel e Pedro. O terceiro, Ernesto, está atrás da câmera. Arquivo pessoal
Cerimônia na Reitoria na qual Tomaz foi homenageado como professor emérito da UFMG. Na foto, em ordem, se encontram: o professor Tomaz, seu filho Daniel, a nora Flávia e o neto Pedro Siqueira, no colo, sua esposa Yara e o neto Nuno, atrás dela, a nora Cristina, o neto João Marcos, à frente, e o filho Ernesto, atrás, a nora Laine e o filho Pedro. Foto: Foca Lisboa
Cerimônia na Reitoria na qual Tomaz foi homenageado como professor emérito da UFMG. Na foto, em ordem, se encontram: o professor Tomaz, seu filho Daniel, a nora Flávia e o neto Pedro Siqueira, no colo, sua esposa Yara e o neto Nuno, atrás dela, a nora Cristina, o neto João Marcos, à frente, e o filho Ernesto, atrás, a nora Laine e o filho Pedro. Foto: Foca Lisboa

Provocada a lembrar histórias curiosas do período de Tomaz na Reitoria, Yara conta que, certa vez, ele interrompeu uma reunião que se prolongava com um soco na mesa. “Era puro teatro”, ela diz, achando graça.

Ao fim de sua gestão, Tomaz passou um ano sabático em Portugal, como pesquisador visitante do Instituto Gulbenkian, e voltou a dedicar-se à docência. “Parecia um principiante, tive que correr atrás e gastava um tempo enorme para preparar as aulas.” Em 2010, não resistiu e voltou às missões institucionais: elegeu-se pela segunda vez diretor do ICB, comprometido com a necessidade de modernização e expansão da unidade.

DESDE ITAPEIPU

Uma das realizações marcantes da passagem, em diferentes etapas, de Tomaz Aroldo Mota Santos pelos gabinetes da UFMG, desde a época de pró-reitor de Extensão, foi a alfabetização de servidores (“era um escândalo que a universidade tivesse funcionários analfabetos”, ele enfatiza), iniciativa que deu origem à institucionalização de projeto da Educação de Jovens e Adultos. A menção ao assunto provoca, imediatamente, uma viagem no tempo, pela simples razão de que o cuidado devotado aos funcionários tem um precedente em família: ainda muito jovem, Tomaz Aroldo mostrou à própria mãe, dona Placídia, os caminhos da leitura e da escrita.

A trajetória que levou ao pós-doutorado em Paris, a reuniões em Brasília para decidir destinos da educação nacional e ao título de professor emérito da UFMG começou no interior da Bahia. Nascido no ano de 1944, em Itapeipu, distrito de Jacobina, em uma família de 11 filhos, Tomaz sonhou ser motorista de caminhão, tamanha era a vontade de conhecer o mundo, que parecia muito distante. Iniciou o ensino médio em Salvador e logo se mudou para Belo Horizonte, estimulado pelo irmão Altino, que já estava por aqui. Morou no famoso edifício “Balança, mas não cai” (Amazonas com Tupis), quando ao mesmo tempo estudava e trabalhava em banco, e aderiu à militância política, encantado com os ideais de justiça social pregados por jovens católicos e marxistas, como contou em seu discurso na solenidade em que recebeu o título de emérito.

"Essa talvez seja a foto mais antiga que eu tenho". Reunião de família em Itapeipu, provavelmente em 1954. Tomaz está ao centro. Arquivo pessoal
"Essa talvez seja a foto mais antiga que eu tenho". Reunião de família em Itapeipu, provavelmente em 1954. Tomaz está ao centro. Arquivo pessoal
Foto do Colégio Estadual Central da Bahia, em Salvador, onde Tomaz começou o curso médio em 1959. Arquivo pessoal
Foto do Colégio Estadual Central da Bahia, em Salvador, onde Tomaz começou o curso médio em 1959. Arquivo pessoal
Um encontro das famílias baiana e mineira de Tomaz, em foto tirada em 7 de abril de 1963, em Belo Horizonte. Arquivo pessoal
Um encontro das famílias baiana e mineira de Tomaz, em foto tirada em 7 de abril de 1963, em Belo Horizonte. Arquivo pessoal
Casa da madrinha de Tomaz, Dora, onde ele residiu em Salvador em 1959. Arquivo pessoal
Casa da madrinha de Tomaz, Dora, onde ele residiu em Salvador em 1959. Arquivo pessoal
Família baiana de Tomaz. Ele é a última criança do canto direito. Arquivo pessoal
Família baiana de Tomaz. Ele é a última criança do canto direito. Arquivo pessoal
Família baiana de Tomaz. Ele é a criança do canto esquerdo. Arquivo pessoal
Família baiana de Tomaz. Ele é a criança do canto esquerdo. Arquivo pessoal

Na hora de escolher o curso superior, teve poucas dúvidas: enveredou pela graduação em sociologia e política, na efervescente Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Mas logo vieram o golpe de 1964 e a recusa, por parte dos militares, de regulamentar a profissão de sociólogo. Ele achou por bem, então, seguir para a Faculdade de Farmácia, movido, entre outras motivações, pelo desejo de defender o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional. Os caminhos de Tomaz se identificavam nesse momento, de alguma forma, com os do pai, seu Joaquim, farmacêutico-prático respeitado em Itapeipu.

Família de Tomaz visita Belo Horizonte, posando em frente à Igreja de São Francisco de Assis. Foto: Joaquim Bispo. Arquivo pessoal
Família de Tomaz visita Belo Horizonte, posando em frente à Igreja de São Francisco de Assis. Foto: Joaquim Bispo. Arquivo pessoal
Tomaz (o segundo da direita para a esquerda) na companhia de seus amigos em Belo Horizonte. Ao seu lado esquerdo, está Vilmar Evangelista Faria, que foi assessor especial da presidência da República no governo FHC. Arquivo pessoal
Tomaz (o segundo da direita para a esquerda) na companhia de seus amigos em Belo Horizonte. Ao seu lado esquerdo, está Vilmar Evangelista Faria, que foi assessor especial da presidência da República no governo FHC. Arquivo pessoal
Time de futebol Banco da Lavoura, do qual Tomaz fez parte. O professor é o quarto, da esquerda para direita, em pé. Arquivo pessoal
Time de futebol Banco da Lavoura, do qual Tomaz fez parte. O professor é o quarto, da esquerda para direita, em pé. Arquivo pessoal
Tomaz (o da direita) e o irmão em Belo Horizonte. Arquivo pessoal
Tomaz (o da direita) e o irmão em Belo Horizonte. Arquivo pessoal
TEMPORADA CEARENSE

Após se aposentar compulsoriamente da UFMG, ao fim do segundo mandato no ICB, Tomaz Mota Santos recebeu uma nova encomenda institucional. Com a nomeação da professora Nilma Lino Gomes, da Faculdade de Educação da UFMG, para o ministério de Dilma Rousseff, ele foi convidado a assumir temporariamente, no lugar dela, a reitoria da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), sediada no Ceará e na Bahia. Naturalmente, o convite provocou conversas em família, já que uma resposta positiva implicaria a mudança de Tomaz e Yara para o Ceará. A resposta foi “sim”.

“É um projeto ousado, sem precedentes no Brasil ou na América Latina, e não se sabe ainda como reitorar a Unilab, uma instituição que tem quase a metade de seu corpo discente formado por estrangeiros, de cinco países africanos e um asiático”, comenta Tomaz, que concluiu o processo de institucionalização da Universidade recém-criada. Para dar a dimensão do tamanho do desafio, ele lembra que a Unilab tem alunos de poucos recursos, em sua maioria, e precisa trazer de fora grande parte de seus professores e técnicos.

Ele não disfarça seu entusiasmo com um projeto capaz de dar aos jovens dos países lusófonos uma outra ideia de convivência internacional e cooperação intercultural. “A criação da Unilab aponta para uma presença brasileira na África marcada não pela dominação, mas pela cooperação. Além disso, leva a regiões do interior nordestino uma alternativa de formação e produção de conhecimento que deverá ter papel importante na distribuição mais equânime e harmônica da capacidade e da responsabilidade pelas decisões no país”, afirma Tomaz Mota Santos, que a essa altura, ansioso por dar mais subsídios ao repórter, abria caixas e procurava documentos que registram as diversas etapas da carreira.

Mais essa experiência gerou novos aprendizados, e ajudou a cimentar convicções sobre a função da universidade: “formadora dos profissionais que constituem a competência coletiva do país” e centro de criatividade, por meio da pesquisa e da extensão”. “Por isso, são incompreensíveis as recentes medidas que reduzem o financiamento público para a educação superior”, sentenciou Tomaz, em seu discurso na noite em que recebeu o título de professor emérito. Na ocasião, ele revelou que aprendeu muito também, ao longo da vida, sobre questões suscitadas pela cor de sua pele, que não chegaram a mobilizá-lo na juventude. Com o tempo, deu-se conta da “iniquidade da discriminação racial” e passou a defender enfaticamente “a responsabilidade da universidade pública como promotora de uma convivência fraterna, de tolerância e respeito a todas as diferenças”.