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Nº 1322 - Ano 27 - 27.06.2001

 

Pesquisa do ICB "segue rota"

dos primeiros habitantes das Américas

Estudo genético identifica os padrões de ocupação do continente americano

Virgínia Fonseca

 

á é possível afirmar quem foram e de onde vieram os ancestrais dos nativos americanos. Estudo desenvolvido por cientistas do ICB confirma que os primeiros habitantes das Américas chegaram ao continente em grandes ondas migratórias, há cerca de 15 mil anos, e que o pai dos nativos americanos era provavelmente um asiático. Mas a equipe quer investigar as rotas seguidas por esses povos e sua relação com Luzia, o mais antigo fóssil americano encontrado até hoje.

Para descobrir as origens do homem americano, a equipe do professor Fabrício Rodrigues dos Santos, do departamento de Biologia Geral, vem trabalhando desde 1993 com o seqüenciamento e comparação de genes do cromossomo Y, exclusivo do sexo masculino, de indivíduos de todo o mundo.

Pai em comum

A primeira descoberta que chamou atenção dos pesquisadores, em 1995, foi a analogia genética entre os americanos. "Em todo o mundo, a variabilidade é muito grande, mas, quando olhamos para a América, percebemos enorme semelhança entre os indivíduos", observa Santos. Essa constatação levou os cientistas a concluírem que os nativos americanos tiveram, no passado, "um pai em comum". Segundo o professor, "mais de 90% dos indígenas descendem de um mesmo homem, que entrou na América há mais de 20 mil anos".

Há dois anos, os cientistas encontraram na Ásia o ancestral desse primeiro homem americano. As análises mostraram que os nativos americanos compartilham genes com os habitantes da Sibéria, mais especificamente das atuais tribos Ketis e Altais. "Existem habitantes na Sibéria e na América com o cromossomo Y muito parecido, o que nos leva a crer que esses indivíduos tiveram os mesmos ancestrais".

O resultado mais recente da pesquisa foi divulgado em maio deste ano e mostra os padrões de ocupação do continente pelos indígenas. O trabalho, coordenado pelo doutorando Eduardo Tarazona, sob orientação de Fabrício dos Santos, prova que o processo de ocupação da América não foi homogêneo.

Através da comparação do material genético de índios das regiões do Chaco, Patagônia, Amazônia, Planalto Central Brasileiro, América Central e do Norte, Tarazona constatou que as tribos dos Andes, correspondentes ao antigo Império Inca, mantinham intercâmbio mais intenso que as de outras áreas. "As diversas populações são cultural e geneticamente semelhantes entre si, mas, dentro de uma mesma

tribo, a variação genética entre indivíduos é muito alta", explica Santos. Já as populações da Amazônia, Chaco e Planalto Central possivelmente viviam mais isoladas, pois a diversidade entre seus habitantes é pequena.

Fabrício dos Santos acrescenta que a variação genética retrata os hábitos de vida das tribos. Os povos andinos desenvolveram princípios de civilização, construíram cidades e rotas comerciais que facilitavam o trânsito de indivíduos ao longo do continente e, conseqüentemente, a diversificação das populações. No caso das outras tribos, a própria formação geográfica das regiões dificultava esse intercâmbio. A Amazônia, por exemplo, no princípio da ocupação americana, já era uma região fechada pela mata.

Os pesquisadores constataram ainda que a ocupação é mais antiga do que se supõe, apesar de "não ter sido encontrado qualquer vestígio material", pondera Fabrício dos Santos. Os estudos genéticos indicam que o processo pode ter começado há mais de 15 mil anos, enquanto os arqueólogos acreditam que a ocupação iniciou-se há 11,5 mil anos, tendo como marco o fóssil Luzia.

Genes raros

O material genético foi coletado entre homens pertencentes a populações que não sofreram miscigenação racial, como europeus, africanos, asiáticos e indígenas americanos de tribos isoladas. Através da comparação entre os genes dessas populações, os cientistas conseguem identificar o grau de parentesco entre elas e a origem das ondas migratórias responsáveis pelo povoamento da América antes da chegada dos europeus.

No Brasil, foram estudadas apenas tribos da Amazônia e do Planalto Central, como Xavante, Xingu e outras que ainda não tiveram contato com o mundo dos brancos. Na América do Sul, o material recolhido pertence a indígenas da região do Chaco (Paraguai), Patagônia (Andes) e do Peru, onde a maior parte da população é nativa e mantém as características genéticas dos seus ancestrais. No Peru, as amostras foram recolhidas pelo doutorando Eduardo Tarazona, responsável pelas últimas descobertas da pesquisa. O restante foi enviado por estudiosos de outros países.

Projeto: Povoamento da América contado pela história dos homens

Equipe: Fabrício Rodrigues dos Santos, Sérgio Danilo Pena, Eduardo Tarazona, Denise Carvalho e Luciana Corrêa

Departamentos: Biologia Geral e Bioquímica