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Nº 1411 - Ano 29 - 09.10.2003


A literatura como causa

Eneida Maria de Souza, uma das principais estudiosas brasileiras, recebe o título de Professora Emérita da UFMG

Maurício Guilherme Silva Júnior

 

inda criança, na mineira Manhuaçu, ela costumava deleitar-se com as criações de Monteiro Lobato, M. Delly, José de Alencar e com as lendas folclóricas descritas por Câmara Cascudo. Àquela época, Eneida Maria de Souza não poderia imaginar a dimensão que tais momentos de "diversão" literária tomariam em sua vida.

Homenageada no dia 30 de setembro com o título de Professora Emérita da UFMG, a pesquisadora, aposentada pela Faculdade de Letras (Fale), transformou o gosto pessoal pelas letras no caminho que a levaria a compreender e vivenciar as coisas do mundo. "Vejo a literatura como motivo de prazer e conhecimento. Ela nos auxilia na construção de uma vida interior e é, ao mesmo tempo, uma forma de saber", resume a professora.

Se, na infância, os livros trouxeram o mundo aos olhos da menina interiorana, eles também foram responsáveis, anos depois, por levá-la aos quatros cantos do planeta. Hoje uma das mais importantes pesquisadoras de teoria literária no Brasil, com mestrado na PUC carioca e doutorado pela Universidade de Paris VII, Eneida sempre cultivou com naturalidade o interesse e a vocação para as letras. Primogênita numa família de quatro irmãos, foi estimulada inicialmente pelas obras da biblioteca que os pais - a mãe, professora de português, e o pai, sócio de uma companhia de eletricidade - mantinham em casa.

Certo dia, veio a necessidade de deixar a pequena Manhuaçu rumo às possibilidades da capital. Antes de ingressar na UFMG como aluna de Letras, Eneida muda-se para Belo Horizonte com o intuito de cursar o científico no Colégio Helena Guerra, reduto de freiras italianas por demais "revolucionárias". Lá, além da língua pátria das religiosas, estuda francês, grego e latim. "Foi um período de muitas descobertas. Recebi no colégio uma formação humanista", conta a professora.

Além do humanismo e da bagagem cultural e literária adquiridos no Helena Guerra, a experiência revela-se importante por apresentar a Eneida a complexidade da política. "A diretora do colégio era muito politizada. Por diversas vezes, ela se envolveu em movimentos de resistência", lembra. Naturalmente, o próximo destino da adolescente acabou sendo a Universidade. Em 1963, a estudante ingressa na UFMG para graduar-se em Português e Inglês, já completamente certa de sua atração pela literatura. "Como todo início, minha entrada na Universidade foi repleta de deslumbramentos. O ensino superior nos exige outro tipo de dedicação. Há sempre algo novo", diz.

Docência

Na Faculdade de Letras, Eneida passa a conviver e aprender com professoras de grande prestígio, como Maria Luísa Ramos e Solange Ribeiro de Oliveira. Quatro anos depois, com o término da graduação, inicia, na própria UFMG, sua especialização em Teoria da Literatura. Surge, então, o interesse pela docência. Passa no concurso da Universidade e torna-se professora de Letras na Faculdade de Filosofia, então sediada na rua Carangola, no bairro Santo Antônio. Daí em diante, seu caminho natural seria a pesquisa científica. No mestrado, dedica-se ao estudo de A barca dos homens, de Autran Dourado e, anos mais tarde, viaja para a França com o objetivo de investigar, no doutorado, a obra Macunaíma, de Mário de Andrade.

Professora titular do departamento de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras, Eneida publicou diversos livros, entre os quais A pedra mágica do discurso, fruto de sua tese de doutorado, lançado pela Editora UFMG em 1999. Orientou cerca de 15 trabalhos de pós-graduação, ministrou cursos em instituições nacionais e estrangeiras e é uma das fundadoras do doutorado em Literatura Comparada da Fale. O título de professora emérita a ela concedido coroa a trajetória de uma pesquisadora que, como poucos, soube traduzir em conhecimento o fascínio da literatura.