A literatura como causa
Eneida Maria de Souza, uma das principais estudiosas brasileiras,
recebe o título de Professora Emérita da UFMG
Maurício Guilherme Silva Júnior
inda criança, na mineira Manhuaçu, ela costumava deleitar-se
com as criações de Monteiro Lobato, M. Delly, José de
Alencar e com as lendas folclóricas descritas por Câmara Cascudo.
Àquela época, Eneida Maria de Souza não poderia imaginar
a dimensão que tais momentos de "diversão" literária
tomariam em sua vida.
Homenageada no dia 30 de setembro com o título
de Professora Emérita da UFMG, a pesquisadora, aposentada pela Faculdade
de Letras (Fale), transformou o gosto pessoal pelas letras no caminho que
a levaria a compreender e vivenciar as coisas do mundo. "Vejo a literatura
como motivo de prazer e conhecimento. Ela nos auxilia na construção
de uma vida interior e é, ao mesmo tempo, uma forma de saber",
resume a professora.
Se, na infância,
os livros trouxeram o mundo aos olhos da menina interiorana, eles também
foram responsáveis, anos depois, por levá-la aos quatros cantos
do planeta. Hoje uma das mais importantes pesquisadoras de teoria literária
no Brasil, com mestrado na PUC carioca e doutorado pela Universidade de Paris
VII, Eneida sempre cultivou com naturalidade o interesse e a vocação
para as letras. Primogênita numa família de quatro irmãos,
foi estimulada inicialmente pelas obras da biblioteca que os pais - a mãe,
professora de português, e o pai, sócio de uma companhia de eletricidade
- mantinham em casa.
Certo dia, veio a necessidade de deixar a pequena Manhuaçu
rumo às possibilidades da capital. Antes de ingressar na UFMG como
aluna de Letras, Eneida muda-se para Belo Horizonte com o intuito de cursar
o científico no Colégio Helena Guerra, reduto de freiras italianas
por demais "revolucionárias". Lá, além da língua
pátria das religiosas, estuda francês, grego e latim. "Foi
um período de muitas descobertas. Recebi no colégio uma formação
humanista", conta a professora.
Além do humanismo e da bagagem cultural e literária
adquiridos no Helena Guerra, a experiência revela-se importante por
apresentar a Eneida a complexidade da política. "A diretora do
colégio era muito politizada. Por diversas vezes, ela se envolveu em
movimentos de resistência", lembra. Naturalmente, o próximo
destino da adolescente acabou sendo a Universidade. Em 1963, a estudante ingressa
na UFMG para graduar-se em Português e Inglês, já completamente
certa de sua atração pela literatura. "Como todo início,
minha entrada na Universidade foi repleta de deslumbramentos. O ensino superior
nos exige outro tipo de dedicação. Há sempre algo novo",
diz.
Docência
Na Faculdade de Letras, Eneida passa a conviver e aprender
com professoras de grande prestígio, como Maria Luísa Ramos
e Solange Ribeiro de Oliveira. Quatro anos depois, com o término da
graduação, inicia, na própria UFMG, sua especialização
em Teoria da Literatura. Surge, então, o interesse pela docência.
Passa no concurso da Universidade e torna-se professora de Letras na Faculdade
de Filosofia, então sediada na rua Carangola, no bairro Santo Antônio.
Daí em diante, seu caminho natural seria a pesquisa científica.
No mestrado, dedica-se ao estudo de A barca dos homens, de Autran Dourado
e, anos mais tarde, viaja para a França com o objetivo de investigar,
no doutorado, a obra Macunaíma, de Mário de Andrade.
Professora titular do departamento de Teoria da Literatura
da Faculdade de Letras, Eneida publicou diversos livros, entre os quais A
pedra mágica do discurso, fruto de sua tese de doutorado, lançado
pela Editora UFMG em 1999. Orientou cerca de 15 trabalhos de pós-graduação,
ministrou cursos em instituições nacionais e estrangeiras e
é uma das fundadoras do doutorado em Literatura Comparada da Fale.
O título de professora emérita a ela concedido coroa a trajetória
de uma pesquisadora que, como poucos, soube traduzir em conhecimento o fascínio
da literatura.