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Nº 1417 - Ano 29 - 20.11.2003

 

 

Parceiros da notícia*

Eliane Mendonça**

mbora muitos dos profissionais que trabalham na produção de matérias jornalísticas se achem os donos da verdade, é preciso entender que a notícia é o resultado de diversas `vozes` que o jornalista precisou ouvir, interpretar e sintetizar, de forma a torná-la acessível ao grande público.

Seguindo este raciocínio, chegamos à conclusão de que o jornalista é aquele que tem como ofício a responsabilidade de fazer a reconstrução dos fatos, levando em consideração todos os conceitos a que teve acesso durante a apuração da matéria.

Assim, a notícia nunca terá um único autor. Ao contrário de um artigo ou de uma obra literária em que aquele que escreve está se baseando unicamente em suas idéias e concepções a respeito de determinado assunto, a notícia ou matéria jornalística traz várias versões do mesmo assunto, cada um de um personagem diferente. Entendam como personagens o que, na linguagem jornalística, seriam as fontes - desde aquelas que não aparecem explicitamente no texto, mas ajudam o jornalista nos bastidores como, por exemplo, os assessores de imprensa ou um especialista de determinado assunto que pode ou não ser citado no texto, mas que foi consultado para esclarecer algum ponto obscuro.

Ainda temos que analisar outro aspecto: o jornalista não é alguém isento e imparcial como ditam os tradicionais manuais de jornalismo. Sendo um dos autores da notícia, o repórter acaba transferindo para ela um pouco de sua vivência pessoal, seus preconceitos e a sua opinião diante do assunto tratado, mesmo que de forma implícita.

No entanto, no caso da elaboração de matérias relacionadas à ciência, os agentes da notícia devem ser extremamente cuidadosos. E é papel do jornalista selecionar bem os agentes que serão ouvidos para não correr o risco de transmitir informações imprecisas, superficiais ou, em casos mais graves, com erros grosseiros que podem acabar transmitindo uma imagem errada do estudo ou pesquisa científica que está sendo realizada.

Isso, para a área científica, que não tolera erros nem imprecisões, seria uma falta gravíssima a ponto de abalar seu relacionamento com a imprensa, o que talvez explique a postura arredia de alguns cientistas ou institutos de pesquisa. E, com isso, todos perdem: a comunidade científica, os veículos de comunicação de massa, que deveriam ser uma ferramenta importante para tornar a ciência acessível ao grande público e, por último, o grande e único interessado: o leitor ou o telespectador.

O principal agente da notícia, quando a matéria está relacionada a um tema científico, é, portanto, a dobradinha jornalista/cientista. O cientista tem sua parcela de culpa porque é seu papel explicar para o repórter que o procurou, de forma minuciosa e clara, os detalhes do trabalho que está realizando, assim como suas etapas, avanços e contribuições que poderá trazer no futuro. Caso contrário, o texto publicado será inconsistente e, certamente, não cumprirá seu objetivo principal, que é o de disseminar o conhecimento científico entre a população. Já o jornalista tem culpa quando, mesmo com dúvidas ou informações imprecisas, insiste em escrever o texto que será publicado preenchendo as lacunas com deduções ou frases de efeito, que podem até agradar ao editor do jornal, mas, certamente, não será fiel à realidade.

Um episódio recente que exemplifica bem a insatisfação científica com os textos publicados na mídia é a resolução do Conselho Federal de Medicina, que obriga os médicos a exigir a leitura prévia de suas entrevistas antes da publicação. A medida causou grande polêmica, já que foi entendida como uma forma de cerceamento da liberdade de imprensa. Não concordo com a medida tomada pelo CFM, muito pelo contrário. Mas para não fugirmos do foco da discussão vou deixar esse aspecto de lado e colocar em questão o que teria levado o Conselho a adotar tal medida. Não falo em nome do CRM, nem poderia, mas acredito se tratar de uma falta de confiança no trabalho do jornalista ou, talvez, na falta de informação que os médicos têm a respeito do trabalho jornalístico.

Mais de uma vez, ouvi médicos afirmarem que suas afirmações foram modificadas em uma entrevista. Mas dizem isso baseando-se em uma ou outra palavra que tenha sido substituída, porque, embora seja comum para eles, não faz parte do vocabulário da maioria dos leitores.

O que é preciso ser feito para contornar isso? Primeiramente, o respeito mútuo. O jornalista não vai questionar o profissionalismo e os conhecimentos de sua fonte durante uma entrevista já que sempre partimos do pressuposto de que o médico ou o meteorologista sabem do que estão falando, ou então nem seriam entrevistados.

Em troca, o jornalista espera receber o mesmo respeito. Afinal, também é um profissional que, embora não seja tão especializado, já que não domina a medicina ou a meteorologia, sabe o que está fazendo. Para isso, precisa encontrar, do outro lado, alguém disposto a transmitir a informação tirando todas as suas dúvidas, sem hostilidade ou prepotência.

É por isso que nós, cientistas e jornalistas, somos os agentes da notícia. Precisamos ter em mente a necessidade de uma colaboração mútua, para que o resultado, tanto da notícia quanto da pesquisa, tenha uma repercussão positiva e consiga, ao menos, esclarecer o assunto em questão a uma parcela da população. Se esse objetivo for atingido, certamente teremos avançado rumo a uma convivência pacífica e a uma parceria importante, que resultaria em matérias mais claras, precisas e informativas, cumprindo com eficiência o nosso papel de comunicadores.

* Versão resumida de artigo publicado pelo JC e-mail , no dia 6 de novembro
** Repórter da Folha de S.Paulo

 
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