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Nº 1431 - Ano 30 - 25.3.2004

 

 

A luta continua!


Samira Zaidan*

oje seria inimaginável alguém chegar às 7 horas da manhã a algum prédio de nossa Universidade e, despistadamente, afixar um cartaz contendo os nomes de pessoas cujos familiares denunciavam a prisão e/ou o desaparecimento, para, poucos minutos depois, um "segurança" o arrancar. Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais... Ou imaginem ainda que o D.A. de uma Unidade venha a organizar um show de música para que as pessoas possam se encontrar e conversar sobre a realidade brasileira, já que o direito de reunião está proibido!

Hoje nos reunimos quando queremos, para conversar, discutir e encaminhar propostas. Usufruímos uma liberdade de convivência dentro da Universidade. Esta liberdade só existe porque muitos lutaram por ela.

Memórias são fragmentos, mas tudo tem uma história...

Grupos de estudantes na UFMG tornamo-nos especialistas em comunicação através de mensagens cifradas, em momentos diferenciados e nas formas mais inusitadas. Criatividade não faltava: shows, gincanas, esportes e até um "saco de idéias" afixado no corredor entre salas de aulas. A coragem também era grande para driblar os "seguranças" e até a polícia em alguns enfrentamentos históricos, como a realização de encontros nacionais de estudantes (que eram proibidos).

 

A sociedade silenciada desde o AI-5, dezembro de 1968...

O movimento social que contestava o golpe militar de 1964 foi proibido, e os que resistiram, perseguidos, presos, espancados, torturados barbaramente e muitos, mortos, mesmo que seus familiares pedissem e mobilizassem apoio legal. 1969, 1970, 1971, 1972... Localizar uma pessoa presa podia ser a sua garantia de vida. Visitar os presos levando cigarros, chocolates, roupas ou qualquer utensílio era apostar na possibilidade de ele continuar vivo. Não havia jornal nem televisão para contar as coisas. Censura. Para justificar o abismo cada vez maior entre entre pobres e ricos, falavam de um "milagre econômico", no "crescimento do bolo econômico", para ser então dividido para todos no Brasil, ame-o ou deixe-o.

As uniões estaduais de estudantes (UEEs) e a União Nacional de Estudantes (UNE) foram literalmente lacradas. Diferentemente do que ocorreu em outras grandes universidades do país, o DCE e os DAs da UFMG não foram fechados, de modo que os estudantes puderam utilizar espaço e estrutura, o que favoreceu uma enorme capacidade de resistência e luta. Dentro da Universidade existiam grupos que defen-diam o regime militar, mas muitos docentes também ofereceram resistência. Nos anos 70, os dirigentes da Universidade jamais permitiram a ocupação armada da polícia política nos espaços internos.

Congregando 19 diretórios acadêmicos, o DCE formou um "conselhão" que agia conjuntamente, denunciando o autoritarismo reinante durante os primeiros anos da década de 70. O DCE é um órgão de representação estudantil, nossa representação. Para defender nossos pontos de vista. Mas para formar um ponto de vista é necessário se informar. As idéias não caem do céu. Para isso, foi criado o Gol a gol se pegá com o pé é dibra, o jornal do DCE, que veiculava as principais bandeiras de luta.

O jornal denunciava o vestibular como um funil. Ensino público e gratuito para todos. Vestibular é um jogo de cartas marcadas. Fale. Discuta. Cole bastante de seus colegas. Dê bastante cola a eles. Os estudantes eram desafiados a compreender temas como a miséria, a maconha e a repressão - assuntos que não estão nas suas apostilas. Denunciavam-se as agressões ao meio ambiente e a miséria das condições de vida imposta a grandes contingentes da população brasileira. Reivindicavam-se o direito de ir e vir, a liberdade de expressão, o direito de voto. Não há neutralidade. DISCUTA.

O jornal procurava tirar os estudantes do lugar do silêncio. Propagandeava-se a declaração universal dos direitos humanos. Apresentavam-se entrevistas com pessoas da sociedade que eram contra o regime ditatorial, como artistas, jornalistas, cartunistas, romancistas.

Da reforma proposta à reforma imposta. A reforma universitária implantada em 1968 era motivo de muito debate e crítica também nos anos setenta. A matrícula anual dos alunos gerava polêmica, pois era motivo de filas enormes e senhas distribuídas na madrugada. Denunciava-se a eleição indireta de reitores com a idéia de que também o problema fundamental da universidade no Brasil é o da liberdade. Clamava-se por mais verbas para a educação. Achincalhe aos estudantes: universidade de pires na mão.

Contra os trotes agressivos em calouros, outras formas de acolhida foram criadas. TODO CALOURO que não participar das calouradas É BURRO. A criação do centro cultural na sede social do DCE ampliou a ação estudantil, com a realização de debates, apresentação de cinema, teatro e outras promoções, além de um barzinho para encontro e bate-papo.

O movimento estudantil denunciava os órgãos de segurança, que agiam, na maior parte das vezes, na clandestinidade. Um comitê de defesa dos presos políticos - apoio à luta nacional. Tortura, nunca mais. Não há derrota definitiva para a liberdade! Pelas liberdades democráticas.

Muito foi conquistado, ao longo das últimas décadas, mas a bandeira histórica da igualdade social ainda está viva. A luta continua!

*Professora da Faculdade de Educação da UFMG. Presidiu o DCE no período 75/76

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