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Nº 1451 - Ano 30 - 26.8.2004

/ Jean Hébrard

“O Brasil precisa de escolas”

Flávio de Almeida

em métodos de ensino, nem capacitação de professores. O grande desafio da escola brasileira é físico: “O país precisa massificar a
construção de escolas, erguê-las em cada bairro de suas cidades. Feito isso, terá lançado as bases para uma revolução na educação”. O defensor dessa tese “materialista”, como ele mesmo admite, é o professor Jean Hébrard, inspetor geral do Ministério da Educação da França e pesquisador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.
No dia 17 de agosto, Hébrard esteve na UFMG, onde expôs suas idéias para uma platéia que lotou o auditório e a sala de teleconferência da Faculdade de Educação, dentro do programa Ceale Debate. No dia seguinte, concedeu entevista ao BOLETIM, na qual, além da construção de escolas, defende que crianças pobres entrem mais cedo e permaneçam mais tempo na escola.

O senhor assessorou o MEC na formulação dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que estabelecem diretrizes de conteúdos para a educação básica brasileira. Anos depois, coordenou o grupo de trabalho na França que formulou tais diretrizes para o sistema de ensino francês. Há muitas diferenças entre o currículo brasileiro e o francês?

São realidades muito diferentes, porque no Brasil o currículo não é obrigatório. Ele funciona como uma orientação geral. Estados e professores têm liberdade para segui-lo ou não. Na França, currículo tem caráter de lei.

Essa rigidez é boa?

É uma tradição que remonta ao início do século 19. A França não é um país com as dimensões continentais do Brasil. Na verdade, é do mesmo tamanho de Minas Gerais. Trabalhei com os parâmetros de português, matemática e outros mais gerais. Foi uma capacitação importante. E percebi isso quando fui convidado pelo Ministério da Educação francês para realizar trabalho semelhante lá. Na verdade, os parâmetros curriculares franceses não estão muito longe dos do Brasil. Só que lá é mais rígido, aqui mais flexível.

Mas essa flexibilidade não é justificável num país de dimensões continentais e diferenças sociais como o Brasil?

Mas a França também possui esse caráter heterogêneo. Temos um departamento de francês, por exemplo, na Guiana, em plena Amazônia. Enfrentamos também o problema da imigração. Recebemos grandes contingentes de imigrantes da África, filhos de pais que não falam francês. Volto ao exemplo da Guiana Francesa. A França praticamente não tem programas de educação indígena, área em que o Brasil está bem à frente e com quem estamos aprendendo muito. Acho que o problema não é bem essa heterogeneidade. Os parâmetros curriculares brasileiros são bons, mas não são aplicados como deveriam. A dispersão é muito grande.

No caso brasileiro, sempre associou-se pobreza às deficiências de alfabetização e leitura, deixando a análise da questão dos métodos pedagógicos em segundo plano. Em que medida, os métodos (ou a falta deles) contribuem para esse quadro?

Aqui, o problema não é tanto de metodologia e sim de organização da escola. A alfabetização é uma questão simples para as famílias ricas com tradição escolar. Já as crianças de famílias pobres – embora a questão não seja exatamente a pobreza – tendem a ter problemas em seu processo de alfabetização, porque vêm de um ambiente pouco afeito à linguagem escolar. No Brasil, acontece uma coisa curiosa. As crianças que não precisam de escolarização precoce têm acesso a ela. Isso porque seus pais pagam creche, jardim e pré-escola. E elas não precisam da escola, porque pai e mãe oferecem todo o suporte cultural de que precisam. Conheço meninos de classe média no Brasil que aprendem a ler aos cinco anos sem nunca terem pisado numa sala de aula. Aprenderam em casa, naturalmente. Já uma criança de família pobre só descobre a escola aos sete anos, o que é uma pena. Ela é que deveria passar mais tempo na escola, onde tem acesso a uma cultura que não encontra em casa. Portanto, o problema é de organização – de organização de uma pré-escola gratuita que dê conta de receber todas as crianças. Outro obstáculo está no fato de a criança brasileira ficar na escola durante quatro horas por dia, o que é muito pouco.

O senhor defende uma escola em tempo integral?

Exatamente. Quatro horas são uma miséria. Precisamos aumentar esse tempo de permanência. Não vamos mudar nada só com capacitação de professores. Professores bem preparados não farão milagre se crianças brasileiras continuarem entrando tarde na escola e ficando pouco tempo na sala de aula. Uma criança de sete anos que chega à escola de manhã e sai quatro horas depois não vive a escola, porque a vida dela está em outros lugares, menos na escola, que se constitui em mera obrigação. Já a escola em tempo integral é a vida dessas crianças.

O senhor então aprova projetos pedagógicos recentes, que determinam a entrada da criança na escola aos seis anos e não mais aos sete?

É um avanço. É muito bom que alguns estados e municípios estejam preocupados com a ampliação da escola básica. Isso pode ser feito gradativamente. Primeiro, com as crianças de seis anos, depois com as de cinco e assim por diante. Ressalto que estou falando de uma pré-escola, que vai preparar a criança para uma escolarização, e não de creche, onde as atividades estão restritas a jogos e brincadeiras. Além do mais, o custo de uma creche é muito alto. A escola é bem mais barata.
O grande desafio do Brasil é a construção de prédios. Não deixa de ser uma visão materialista, mas o país precisa pôr em prática um plano do tipo Uma escola a cada dia. Ou seja, massificar a construção de escolas, erguê-las em cada bairro. Não importa que sejam pequenas e baratas. Feito isso, o país terá lançado as bases para uma revolução na educação. E aí cada escola poderá adotar a metodologia pedagógica que bem entender.