Busca no site da UFMG

Nº 1549 - Ano 32
25.09.2006

A melodia de Thanatos

Pesquisa investiga papel da música nas cerimônias
de morte do século 18 nas Minas Gerais

Maurício Guilherme Silva Jr.

s sinos anunciam sua temida presença. Ao ritmo das badaladas, a Morte, em pleno século 18, parte em busca da próxima vítima. Diante do triste canto, resta ao cidadão das Minas Gerais, então sob o jugo da coroa portuguesa, atentar-se para a singularidade da melodia capaz de revelar o perfil do “encomendado”: homem ou mulher; jovem ou idoso; monarca ou plebeu. Cena comum nas alterosas oitocentistas, tal badalar marcava as longas cerimônias fúnebres, nas quais vestimentas, adereços, rituais e, principalmente, a música realçavam de significado e profundidade a dor da perda.

O respeito e o temor pela morte sempre levaram o homem, nos mais remotos pontos do planeta, a dedicar-se a rituais de devoção e louvor. Em Minas Gerais, assim como na metrópole portuguesa, tais cerimônias, bastante musicais, eram acompanhadas pela população, muitas vezes obrigada – sob ameaça de castigos variados – a chorar a alma de integrantes da Realeza, inescrupulosamente levados por Thanatos, que, na mitologia grega, era a própria personificação da morte. Investigar o papel exercido pela música nas solenidades fúnebres, de 1750 a 1827, foi o mote para que o maestro Rodrigo Teodoro de Paula escrevesse a dissertação Música e representação nas cerimônias de morte – reflexões para o estudo da memória sonora na festa, defendida, em junho passado, dentro do programa de Pós-Graduação da Escola de Música.

Em seu estudo, Rodrigo de Paula enfatizou a análise das cerimônias de “corpo ausente”, realizadas sem a presença do falecido. Tal prática era comum quando da morte de representantes da monarquia. “A Corte portuguesa exigia que suas colônias participassem dos rituais”, explica o pesquisador. Simultaneamente, em cidades como Diamantina, Ouro Preto, São João Del Rey, Sabará, Serro e Paracatu, a população seguia os cortejos fúnebres.

Com duração de duas horas e meia, essas cerimônias eram “embaladas” por peças musicais exclusivas, os ofícios fúnebres, divididos em três noturnos – cada um com três responsórios, dos quais o mais importante era o Memento, espécie de oração cantada, em coro, nos lares. O Réquiem, outra forma de solenidade, pode ser explicado como a missa principiada pelos dizeres latinos requiem aeternam dona eis. Em bom português: “Dai-lhes o repouso eterno”.

Em ré menor
A música sempre atuou como protagonista nas cerimônias de morte. Nas exéquias da Realeza, além de ritos como o da quebra do escudo real – talhado em madeira – e do dobre de sinos, anunciante do falecimento, instrumentos musicais ditavam o ritmo e a profundidade do sofrimento. Em sua pesquisa, Rodrigo de Paula analisou obras como o Ofício das violetas, de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, peça que teria sido interpretada não apenas em um, mas em diversos cortejos fúnebres das Minas Gerais. “As músicas eram compostas exclusivamente para o cortejo. Algumas, no entanto, parecem ter sido interpretadas em outras ocasiões”, explica o maestro.

Encomenda ou deixa pra lá

“Se o defunto é rico, manda encomendar. Se é pobre, deixa pra lá”. O ditado popular, bastante difundido na São João Del Rey do século 18, revela bem como as diferenças de classe refletiam-se nos cortejos fúnebres. Se aos monarcas e grandes comerciantes eram reservadas imensas solenidades, mulheres, homens e crianças humildes, mesmo na hora da morte, precisavam contar com a compaixão das irmandades, formadas por pessoas de mesma cor e posição social. “As irmandades ficavam encarregadas de organizar o funeral dos irmãos sem condições econômicas”, explica Rodrigo de Paula.