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Nº 1549 - Ano 32
25.09.2006

Escola pública:
o silêncio e o esquecimento dos intelectuais

Luciano Mendes de Faria Filho*


otivadas pelos recentes escândalos políticos ou pelas transforma- ções de fundo pelas quais passa a esfera pública no Brasil e no mundo, proliferam, nos últimos meses, reflexões sobre o “silêncio dos intelectuais” e sobre o “esquecimento da política”. Um conjunto expressivo da intelectualidade brasileira e internacional tem sido convidada a refletir sobre as transformações do espaço público e da participação política nas últimas décadas no mundo ocidental.

No caso do Brasil, chama a atenção que, mesmo quando se discute estes temas e, sobretudo, as condições para o revigoramento da esfera e da participação públicas, ou, dizendo de outra forma, quando se propõe o fortalecimento da democracia e do jogo democrático, muito pouco se fala sobre o papel da escola pública nesta tarefa. Há, por assim dizer, um esquecimento da escola pública no debate sobre democracia e participação política. É como se a nossa intelectualidade acreditasse que é possível construir uma sociedade democrática sem uma escola pública de qualidade.

Dentre os indícios desse esquecimento está, em primeiro lugar, o fato de que nenhum dos intelectuais convidados para estes debates tem trajetória de reflexão sistemática sobre a sorte da escola pública de nível fundamental. Quase todos trabalham em universidades e, talvez por isso, estejam muito mais preocupados com as políticas de cotas para acesso ao ensino superior do que com o que se passa na escola pública de ensino fundamental. Outro indício do esquecimento é a ausência, nos debates, de reflexão fundamentada e sistematizada sobre a importância da escola pública de qualidade para o jogo democrático no país.

Convém ressaltar, no entanto, que nem sempre os intelectuais brasileiros concentraram suas preocupações na escola pública de nível superior. Já no século XIX, sobretudo a partir da independência, setores expressivos da intelectualidade brasileira convenceram-se da importância da democratização da escola como fator de democratização social e como condição de aprendizado de uma cultura política pública.

De Bernardo de Vasconcelos, passando por Tavares Bastos, Rui Barbosa, Francisco Campos, Gustavo Capanema, Anísio Teixeira até Florestan Fernandes e Paulo Freire, mesmo com marcadas diferenças políticas, há crença unânime na importância da escola pública fundamental para o projeto de país que todos defendiam. Não era, para eles, possível pensar uma nação sem defender a idéia da escola como parte, produtora e produto de tal projeto.

É possível conceber as reflexões de um Pierre Bourdieu, sem lembrar as suas fundamentais e seminais pesquisas sobre a escola francesa? Do mesmo modo, é possível esquecer as fundamentais lições de Edgar Morin sobre a importância da escola para o futuro da democracia?

Há, pois, que se perguntar sobre o significado desse esquecimento. Por que será que já não se preocupam tanto com a sorte da escola pública, mesmo quando discutem o fortalecimento da democracia? Será porque pensam que a democracia brasileira prescinde da escola de qualidade para todos? Será porque, definitivamente, no Brasil, a escola pública foi abandonada pela classe média, estrato de onde vem a maioria dos intelectuais? Será porque, uma vez mais, a pública é a escola dos outros já que a nossa, a dos nossos filhos e filhas, é a escola privada?

Uma resposta positiva a qualquer uma das questões acima coloca-nos uma séria questão: com quem e para quem queremos construir a democracia neste país? Se abrirmos mão de uma defesa vigorosa da escola pública, estaremos, na verdade, abrindo mão da própria esfera pública como condição e possibilidade do jogo democrático. A democracia jamais será construída sem a escola pública fundamental – pelo menos as formas atuais que conhecemos de democracia e de escola –, por mais que ela seja criticada no mundo inteiro como insuficiente para a formação do cidadão apto a participar da vida pública.

Abrir mão do sonho de uma escola pública de qualidade para todos nós, e não apenas para os filhos dos outros, pode ser uma maneira de perpetuar as imensas desigualdades de participação no país. O silêncio sobre a educação ou o esquecimento da escola pública por parte de nossos mais importantes intelectuais são, assim, indícios de mais um dos grandes perigos que rondam a nossa ainda frágil democracia.

* Professor de História da Educação da Faculdade de Educação, onde coordenou o Programa de Pós-Graduação em Educação. Coordenador do Projeto Pensar a Educação/Pensar o Brasil – 1822/2022

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