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Nº 1551 - Ano 32
9.10.2006

A "genética" dos diamantes

Estudos do IGC sobre parâmetros mineralógicos podem
contribuir para o combate ao contrabando

Ana Maria Vieira

á séculos, seu brilho e formas, predominantemente octaédricas e rombododecaédricas, causam fascínio. A quilatagem, em geral, é baixa. Não bastassem tais atributos, um exame acurado poderia esquadrinhá-los a partir de outras sete características. Reunidos todos os aspectos, sua origem é revelada: trata-se, muito provavelmente, de diamantes da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Se a descrição parece simples e certeira, o mérito decorre de pesquisas realizadas há 20 anos no Instituto de Geociências (IGC). Destinadas à caracterização mineralógica de diamantes, parte de seus resultados poderá, agora, ir além do universo da academia e contribuir para o combate ao contrabando no Estado.
Foca Lisboa

Mario Chaves: tipologia com 90% de confiabilidade

“Diversos estudos realizados nas últimas décadas levaram à confecção de uma tabela em que são relacionados os atributos básicos de um diamante”, explica o professor e coordenador do trabalho, Mario Luiz de Sá Carneiro Chaves. A metodologia, um dos objetivos de sua tese de doutorado, foi desenvolvida reunindo dados de diamantes extraídos de Coromandel, no Alto Paranaíba, além de Diamantina e Grão-Mogol, na Serra do Espinhaço. Esse universo deverá agregar outras três regiões do Estado, a partir de tese de doutorado que está sendo desenvolvida por Leila Benitez, sob orientação do professor.

Mario Chaves esclarece que a realização do cadastro individual das pedras tem como objetivo estabelecer a tipologia de uma população de diamantes. “Ela pode ser aplicada tanto para um depósito particular como para diversos depósitos que, reunidos, formam um distrito diamantífero”, diz. O conjunto das informações permite criar uma espécie de “DNA” dos lotes de pedras de diversas regiões. “A confiabilidade dos parâmetros mineralógicos pode alcançar índice de 90%”, assegura Chaves.

Entre os aspectos considerados para análise, alguns têm origem primária, como peso, forma, cor, pureza e estágio de dissolução. Essas características são definidas durante o processo de cristalização do diamante no manto terrestre ou quando ele “sobe” até a superfície. Os dados de origem secundária incluem aspectos como marcas de impacto, clivagem superimposta, capas e qualificação comercial, todos adquiridos após o momento em que, soltando-se da rocha-fonte primária, o diamante “viaja” pelos aluviões, depósitos de cascalho e areia às margens do rio, formados de modo natural ou por erosão.

Diamantes de sangue

A importância de estabelecer uma tipologia para diamantes pode ser identificada pela receptividade do mercado, interessado em atestar a origem das pedras. Tão logo anunciou a possibilidade de aplicação de sua pesquisa, Mario Chaves foi procurado por grupo de compradores, produtores e exportadores mineiros da Bolsa de Diamantes, interessados em conhecer o estudo. “Eles se sentem prejudicados pela ação de contrabandistas”, afirma.

O fato mencionado pelo professor refere-se, em parte, às conseqüências da Operação Carbono, da Polícia Federal, que em fevereiro prendeu grande número de pessoas acusadas de contrabandear pedras. A história incluía suspeitas de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, financiamento de ações terroristas e obtenção irregular do Certificado Kimberley – documento de valor internacional expedido pelo governo federal e necessário para autenticar a procedência de diamantes no processo de exportação.

O Certificado foi criado em 2002 pela ONU, com o objetivo de combater a comercialização de pedras extraídas de áreas de conflito, conhecidas como “diamantes de sangue”. À época, países como Serra Leoa e Congo eram acusados de financiar guerras civis com a venda do mineral.

De acordo com dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pela emissão do documento, cerca de 70 países já aderiram ao processo. Ainda que o Brasil tenha sido um dos primeiros signatários, o volume de suspeitas sobre a procedência de diamantes aqui comercializados aumentou. A própria Operação Carbono e denúncias de ONGs internacionais, alegando que o país, por meio do certificado, “esquenta” pedras de áreas africanas em conflito, puseram em xeque a credibilidade do documento. Autenticar a certificação por meio do DNA de populações da pedra é uma das alternativas ao problema, identificada por Mario Chaves.

Ele ressalta, contudo, que parte da ilegalidade deve-se a um equívoco da legislação. “Ela amarrou o procedimento de certificação à área de direito minerário, isto é, à própria lavra onde o diamante é produzido”, diz. A decisão, segundo o pesquisador, ignora o fato de que os pequenos garimpos são responsáveis por cerca de 90% da produção brasileira de diamantes. “As vendas ocorrem primeiro no mercado informal, e, posteriormente, chegam a um grande comprador. Ele obtém o certificado recorrendo a alguma empresa ou pessoa física que possui o direito minerário”. Os estudos realizados pelo professor contam com financiamento da Fapemig.

Produção brasileira de diamantes - Estimada entre 500 mil a 1 milhão de quilates/ano. No mundo, o maior produtor do mineral é a Austrália, com cerca de 40 milhões de quilates/ano, seguida por Rússia, Congo e África do Sul. Um quilate (ct) equivale a 0,2g.