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Nº 1551 - Ano 32
9.10.2006

Entrevista / Antonio Carlos de Moraes Sartini

A língua é de quem usa

Ana Rita Araújo

berto ao público em abril deste ano, o Museu de Língua Portuguesa – Estação da Luz, em São Paulo, utiliza modernos recursos tecnológicos para mostrar ao público um patrimônio vivo e imaterial, a língua portuguesa. O produtor cultural Antonio Carlos de Moraes Sartini, diretor-executivo do Museu, foi um dos 12 consultores convidados para o Worshop Internacional 2006 sobre Museus e Centros de Ciência, promovido pela UFMG, na última semana de setembro, para discutir diretrizes de concepção do Espaço TIM-UFMG do Conhecimento, que está sendo construído na Praça da Liberdade.

Na ocasião, ele concedeu entrevista ao BOLETIM, na qual diz que a incorporação de novas palavras é natural e saudável e que a língua é propriedade de quem a utiliza.

Quais os objetivos do Museu da Língua Portuguesa?

Foca Lisboa

Sartini: Museu valoriza a diversidade

Seu grande objetivo é mostrar a língua portuguesa como o grande elo da identidade cultural brasileira e mostrar ao visitante que ele é o proprietário dessa língua. Em que pese a importância da academia, o dono da língua é o usuário. Outro foco do Museu é mostrar que não há certo e errado na língua. O que existem são padrões diferentes de linguagens que todos nós, brasileiros, deveríamos estar aptos a usar. Ao defender uma tese na UFMG, por exemplo, devo adotar determinado padrão de linguagem. Por outro lado, quando vou tomar um suco e comer um pão de queijo no bar da esquina com meus amigos, meu padrão de linguagem é outro. Se o uso do código acadêmico num bar soa rídiculo, o mesmo ocorre quando a linguagem do botequim é empregada na Universidade.

O projeto do Museu, que utiliza recursos de vídeo e de áudio, considerou que todos os padrões mereciam estar lá?
Sim, pois o objetivo é encontrar a riqueza e a diversidade da língua. Se o idioma se restringisse ao padrão acadêmico, ele estaria condenado à morte, pois a população não tem acesso a esse padrão de linguagem.

A morte de línguas é natural em um mundo globalizado ou deve ser combatida? No caso do Brasil, é possível preservar os sotaques e falas regionais apesar do padrão massificador?
As línguas vivem enquanto são úteis. Por isso, são de propriedade do usuário – quando julgar que aquela língua não atende mais às suas necessidades, ele vai procurar outro meio de comunicação. Ao longo da história, muitas línguas morreram, ou porque as culturas declinaram, ou porque outras culturas mais fortes chegaram. Mas isso é um dado histórico. O português é uma língua extremamente viva. O idioma falado no Brasil, por exemplo, tem grandes influências africanas e indígenas, misturadas, hoje, com as influências trazidas pelo mundo globalizado. Isso é absolutamente normal. O português também influenciou outras línguas, como o japonês, que possui uma série de palavras originárias de nosso idioma. Essa dinâmica é extremamente importante e saudável, como mostram algumas pesquisas. Estudo sobre textos publicados na imprensa paulista buscou palavras “importadas” de outras línguas. Depois de dois anos, apenas 12% daquelas palavras continuavam a ser usadas e, mesmo assim, aportuguesadas. As demais foram substituídas por termos originários da língua portuguesa.

Existe uma tendência de modernização dos museus?
O Museu da Língua Portuguesa, exatamente por ter um acervo imaterial, é muito diferente. Acho que existem instituições museológicas com características muito diferenciadas e é extremamente importante que haja um tipo de museu que guarde documentação histórica. Já os museus nos moldes do nosso dispõem de patrimônio imaterial, portanto dinâmico e absolutamente vivo. É uma modalidade nova, mas as instituições mais clássicas têm papel assegurado e extremamente importante dentro da sociedade. De qualquer forma, os museus que guardam patrimônio material e tradicional também tendem a modernizar suas formas de expor informações, tornando-as mais atraentes para o visitante. Mas aí é uma questão de linguagem e não de conteúdo.

Em sua opinião, qual a importância desse tipo de encontro que ocorreu aqui na UFMG, destinado à aproximação entre os museus e espaços de ciência?
Todo espaço dedicado ao diálogo é extremamente importante. Costumo dizer que se aprende muito mais dialogando do que numa sala de aula. Quando o diálogo se dá dentro da UFMG, com profissionais do nível dos que foram convidados para participar deste evento, então ele é extremamente enriquecedor. Às vezes, nos sentimos um pouco solitários em nosso trabalho. E é muito importante quando se percebe que uma pessoa que trabalha numa instituição museológica do outro lado do mundo observa as mesmas coisas, passa pelo mesmo tipo de experiência.

Tratada como obra de arte

O Museu da Língua Portuguesa – Estação da Luz foi criado em abril de 2006, na histórica estação que recebeu os primeiros imigrantes em São Paulo. O projeto, que incluiu a reforma do prédio e a instalação de espaços e exposições permanentes com recursos de alta tecnologia, custou R$ 37 milhões.

Mantido pelo governo de São Paulo – com R$ 3,8 milhões por ano – o Museu proporciona uma viagem sensorial e subjetiva pela língua portuguesa. Segundo seus organizadores, “essa talvez seja a primeira vez no mundo em que se pretendeu dar um tratamento museológico à língua, tratando-a como uma obra de arte”.