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Nº 1568 - Ano 33
12.3.2007


Ilustração - Estudante em carteira escolar

O efeito-escola

Pesquisadores da Faculdade de Educação reúnem dados de pesquisas educacionais para avaliar a qualidade do ensino brasileiro

Ana Maria Vieira

E

m projeto de pesquisa de doutorado sobre qualidade e eqüidade no ensino básico no país, o aluno Renato Júdice de Andrade, da UFMG, refaz parte do percurso de estudiosos que se dedicam a determinar que fatores repercutem mais sobre o desempenho cognitivo dos estudantes. Lembra o pesquisador que, nos anos 50 e 60, diversas pesquisas concluíram que a escola não faz diferença, pois fatores externos a ela, como as estruturas socioeconômicas, tinham maior peso no processo de aprendizagem. A esse determinismo sociológico, no relato do próprio doutorando, se sobrepôs tendência mais contemporânea indicando que existe, sim, a escola eficaz, ou, em outras palavras, o efeito-escola.

O esforço de Júdice em compreender o problema integra pesquisa mais ampla do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game) da Faculdade de Educação (FaE) que, recentemente, obteve financiamento do programa Observatório da Educação do Ministério da Educação, junto a outros 27 projetos de 18 universidades brasileiras.

Financiamento
Denominado As evidências do Saeb e avaliações correlatas sobre o impacto das estruturas sociais e da organização das escolas e dos sistemas de ensino no desempenho dos alunos da educação básica, o estudo da UFMG deverá ser finalizado em 2008, ao custo aproximado de R$ 100 mil. O objetivo é investigar, a partir de dados empíricos, o peso da qualidade e eqüidade das escolas de todo o país no processo de aquisição de competências cognitivas.

De acordo Renato Júdice, a pesquisa reconhece que a estrutura escolar, a família e o próprio aluno são fatores que impactam esse processo. Ele considera, contudo, que também é necessário considerar a importância do papel da escola, como local de desenvolvimento cognitivo, de formação de hábitos e de convívio social. É, no entanto, à qualidade dos estabelecimentos de ensino que o pesquisador prefere dar ênfase, devido à sua capacidade, conforme analisa, em “agregar valor” ao desenvolvimento dos alunos.

“Vamos utilizar informações dos bancos de dados do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (Simave), do Programme for International Student Assesment (Pisa) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para compreender como os fatores internos e externos às escolas impactam a aquisição dessas competências”, detalha o professor da FaE e coordenador do estudo, José Francisco Soares.

Monitoramento
De acordo com Soares, que também coordena o Game, o objetivo do Saeb é fornecer dados para monitorar o sistema de ensino. Nessa linha, ele gera informações que indicam, mas não explicam, o problema do desempenho cognitivo dos alunos. “O formato do Saeb não permite a produção de todas as informações necessárias para as intervenções pedagógicas”, afirma. No documento apresentado ao MEC, ele argumenta que, “enquanto a escola só pode ser responsável pelo aprendizado dos alunos, o Saeb mede o desempenho, fruto não só da ação da escola, mas também dos condicionantes sociais”.

Inédito, o trabalho do Game pretende reunir dados dos últimos seis ciclos do Saeb, relativos ao desempenho de estudantes das 4a e 8a séries do ensino fundamental e da 3a série do ensino médio, em língua portuguesa e matemática. Para o professor José Franscico, não há pesquisa que utilize toda a evidência produzida pelo Sistema. “Apenas estudos que tratam de um único ciclo foram publicados”, revela, lembrando, ainda, que o grupo deverá extrair indicadores de competência a partir de itens como sistema administrativo da escola (público/privado), além de situação socioeconômica, cor e gênero dos alunos.

Um aspecto importante ressaltado pelo pesquisador nessa avaliação refere-se à percepção errônea que considera eqüidade sinônimo de igualdade. “Há uma variação na aquisição de competências que faz parte da dinâmica social. Independentemente do esforço da coletividade, há diferenças entre as pessoas”, reflete José Francisco, ao observar que resultados distintos entre escolas e segmentos de alunos nem sempre são fruto de desigualdades sociais. “Mesmo num sistema eqüitativo e justo, não há igualdade entre os resultados escolares. O que ocorre é que as variações dentro dele são as mesmas, independentemente dos grupos considerados”, completa.

Políticas
Ele reforça seu argumento com o resultado de pesquisa realizada na rede pública de Belo Horizonte. Entre escolas que compartilham o mesmo sistema, com funcionários recebendo salário idêntico e estudantes de semelhante nível socioeconômico, foram observadas diferenças de até dois anos no desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Para o professor, o cálculo conjunto do efeito-escola por ano e por Estado da Federação, extraído das pesquisas, ajudará na formulação de políticas – ou mesmo na análise de seu impacto. “Assim, saberemos onde a escolha da escola é mais ou menos determinante para o resultado do aluno”, diz, esclarecendo que o trabalho procurará identificar se o local de residência dos alunos ou da sede das escolas mantém alguma relação com o desempenho escolar dos estudantes.