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Nº 1593 - Ano 34
3.12.2007

“Vai lá, tira a roupa... e... pronto”

Dissertação da Face analisa acesso a consultas ginecológicas entre mulheres pobres

Maíra Vieira
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Paula Miranda e Maria Eponina: análises qualitativas e quantitativas

Ana Maria Vieira

Se há uma receita que desafia mulheres de baixo perfil socioeconômico a procurarem atendimento ginecológico na rede pública de saúde, ela certamente inclui exames que demoram a se realizar, aliados à dificuldade em agendar consultas em postos que só funcionam em horário comercial. A esses ingredientes, que atuam como barreira ao acesso a tais serviços, concorrem outros, bem menos mencionados publicamente: o medo e a vergonha.

E não é uma vergonha qualquer. Mas uma vergonha expressa no receio de expor um corpo que deve se submeter a observações e intervenções médicas impessoais e sobre as quais elas não recebem informações. Tudo muito rápido. Em apenas dez minutos, o trabalho finaliza, pois ele se resume, conforme relato de uma dessas mulheres, a uma fórmula simples: “Vai lá, tira a roupa... e... pronto”.
“As mulheres se queixam bastante da falta de diálogo com os médicos que as atendem. Elas saem da consulta sem compreender o que aconteceu”, observa Maria Eponina de Abreu e Torres, que defendeu, há dois meses, dissertação de mestrado pelo Cedeplar sobre o tema.

Denominado Perfis e percepções acerca da consulta ginecológica em Belo Horizonte no início do século 21, sob a orientação da professora Paula Miranda-Ribeiro e co-orientado pela professora Carla Jorge Machado, o trabalho é fundamentado por inquéritos qualitativos – realizados com 33 mulheres – e quantitativos. Estes últimos foram extraídos da pesquisa Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça (SRSR). O levantamento, realizado em Recife e na capital mineira pelo próprio Cedeplar, em 2002, constou de entrevistas com 2.407 mulheres. Por meio dos dois inquéritos, Maria Eponina produziu análises específicas sobre o acesso à consulta ginecológica entre mulheres de diversos perfis.

Os dados da SRSR indicam que três entre quatro mulheres em Belo Horizonte se submeteram a esse tipo de consulta nos doze meses anteriores à realização da pesquisa. Esse é, aliás, o intervalo de tempo recomendado pela Secretaria de Saúde da capital para as mulheres fazerem seus exames. O atendimento via SUS é o mais procurado entre elas.

Conforme esclarece Maria Eponina, seu estudo baseou-se em amostra de 983 mulheres entrevistadas em Belo Horizonte, com idade entre 18 e 59 anos. Os dados foram agrupados em torno das dimensões demográficas, socioeconômicas, de saúde e de poder. A partir delas, a pesquisadora identificou quatro perfis de mulheres: mais desfavorecidas, esfavorecidas, favorecidas e mais favorecidas.

Os dois primeiros grupos representam 42% da população analisada e aglutinam mulheres menos empoderadas – incapazes de recusar relações sexuais com os parceiros sem preservativos – de cor preta e parda e que se encontram na faixa etária entre 40 e 59 anos. Esses grupos também são formados por mulheres com baixa escolaridade – até sete anos de estudo –, que tendem a não possuir plano de saúde e realizam suas consultas pelo SUS.

Elas, no entanto, não demonstram fazer acompanhamento ginecológico regular, nem mesmo nos últimos doze meses anteriores à pesquisa do Cedeplar. Em geral, as pessoas que se enquadram nesses grupos realizam a primeira consulta motivadas por gravidez. Já entre as mulheres dos grupos identificados como favorecidos e mais favorecidos impera a cultura da prevenção. A primeira visita delas decorre da menarca ou da necessidade de utilizar métodos contraceptivos.

Afinidades de classe

Mas é no campo da percepção que essas mulheres encontram afinidades,conforme indicam informações extraídas da pesquisa qualitativa. Para elas, o serviço particular tem qualidade superior ao do SUS. Além disso, seja qual for o grupo ao qual pertencem, o constrangimento em realizar consulta ginecológica está presente. A maneira, porém, de confrontá-lo difere entre as classes. Entre as mais favorecidas, o desconforto é superado, mas para as mais pobres a vergonha é fator relevante e cria uma barreira real para que não procurem atendimento nessa especialidade.

O estudo de Maria Eponina poderá servir de referência para outras investigações acadêmicas e para repensar o modelo de consulta em vigor no SUS: sem diálogo, rápido, autoritário e oferecido em horário comercial, portanto, inviável para quem trabalha.

Em tese, esses fatores poderiam gerar conseqüências negativas para a saúde das mulheres, pois inibiriam a busca por tais serviços, essenciais na prevenção de câncer de mama e de colo uterino, além de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Mas, apesar das barreiras, o estudo revela que, em todos os perfis de mulheres entrevistadas, está explícita a percepção da importância de procurar atendimento ginecológico.

“Uma das contribuições dessa dissertação reside no cuidado metodológico em produzir o estudo qualitativo e combiná-lo com a análise quantitativa”, ressalta a professora Paula Miranda-Ribeiro. Ela acrescenta que a pesquisa preenche lacunas sobre o conhecimento da saúde reprodutiva no país, já que os dados nacionais não são representativos dos municípios – não podendo, portanto, subsidiar políticas locais.