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Nº 1593 - Ano 34
3.12.2007

 Britaldo Silveira

Um pesquisador da paz

Ana Maria Vieira

Maíra Vieira
britaldo
Britaldo: simulação antevê impactos ambientais

Um grupo praticamente anônimo de cientistas dividiu com o ex-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, o Prêmio Nobel da Paz de 2007. A equipe, formada por pesquisadores do mundo inteiro, compõe o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), responsável por estudos sobre o aquecimento global, fenômeno que vem preocupando a população do planeta. Só no Brasil estima-se que haja 60 colaboradores envolvidos nos estudos.

Um deles é o professor Britaldo Silveira, do IGC, que contribuiu com o capítulo do Relatório do IPCC acerca das mudanças climáticas em florestas. Especialista na modelagem de sistemas ambientais, campo em que a UFMG é pioneira no país, Britaldo conduz estudos com o objetivo de “quantificar os serviços ambientais” prestados pela Amazônia. “A intenção é dimensionar como esses serviços poderiam ser remunerados pelo emergente mercado de créditos de carbono”, explica o professor, nesta entrevista ao BOLETIM.

Qual foi sua participação no Relatório do IPCC?
Fui convidado a incluir parte de uma pesquisa, intitulada Cenários para a Amazônia, que vinha desenvolvendo com uma série de instituições. Colaborei com o capítulo IX, que trata do tema Florestas, no 4° Relatório do Grupo III, sobre Mitigação de Mudanças Climáticas.
É uma contribuição que trata das implicações do desmatamento na Amazônia em relação às emissões de carbono. O Brasil ocupa a quarta posição entre países responsáveis por emissões que contribuem com o efeito estufa. E 75% das emissões brasileiras vêm do desmatamento e das queimadas.

A pesquisa ainda está em curso?
Sim. Vamos apresentar parte do estudo em dezembro, em Bali, no Encontro das Partes sobre o Clima. Nossa participação é uma extensão da pesquisa. É algo novo, pois estamos quantificando serviços ambientais que a Amazônia presta e como eles poderiam ser remunerados por um emergente mercado de carbono, que contemple créditos para as florestas nativas {até agora, o mercado de créditos de carbono envolve apenas as florestas plantadas}.

Além da captura de carbono, quais são esses serviços?
São vários. Por ser uma entidade auto-regulável, a Terra busca modular suas variações em termos de clima. A Amazônia cumpre importante papel como
reguladora do clima global.

Como se interessou por esse tema?
Minha formação é em Geologia, mas sou professor de Cartografia. Fiz meu doutorado em modelagem e análises espaciais. Desde então participo de vários projetos ligados a modelos de simulação, abordando, por exemplo, o desenvolvimento da Amazônia. A simulação computacional é utilizada para antever os possíveis impactos de uma certa dinâmica ambiental. Em função disso, criamos um núcleo de modelagem no IGC, pioneiro em modelagem de sistemas ambientais no Brasil, sobretudo quando o enfoque é o uso da terra.

Os estudos abrangem a relação do homem com o uso da terra?
Exato. Numa abordagem holística, relacionamos o homem e o sistema socioeconômico. A modelagem faz a ponte transdisciplinar entre os diversos campos do saber.

Na estruturação de um modelo, o peso das variáveis é atribuído aleatoriamente?
A metodologia de construção de modelos se baseia em relações empíricas. O grande problema é separar causa e efeito. No caso da modelagem, queremos saber qual o efeito de uma variável na outra e identificar as retroalimentações entre os componentes do sistema. Por exemplo, na variável A+B=C, C também causa um efeito em A e pode potencializar, ou não, o sistema. Hoje, quando se fala em mudanças climáticas, a maior preocupação são as retroalimentações que uma mudança causa na outra.

Qual o peso desse conhecimento na adoção de políticas?
Isso tem crescido. O Relatório do IPCC fala, por exemplo, dos impactos econômicos das mudanças climáticas em termos de perdas. Será preciso mudar muito a nossa maneira de viver e todos estão relutantes em parar de poluir. Não se pode, contudo, deixar que se ultrapasse o ponto de ruptura, em que os processos vão-se tornando irreversíveis.

Onde fica esse ponto?
Ninguém sabe exatamente.

O Prêmio Nobel da Paz de 2007 poderá induzir mudanças na posição dos Estados Unidos em relação ao Tratado de Quioto?
Quando o Nobel da Paz foi dado a Al Gore e ao IPCC, vislumbrou-se que futuros conflitos ambientais podem impactar a paz mundial. É provável até que o trabalho de Al Gore produza mudanças na visão que o Partido Republicano norte-americano tem do problema.

Como avalia a proposta de licitar trechos de florestas brasileiras para exploração madeireira?
O grande problema na conservação ambiental no Brasil é a falta de recursos para investimento e manutenção do patrimônio natural. Os setores contrários a essa medida alegam que ela atenta contra a soberania. Mas o objetivo é valorizar os serviços ambientais que a floresta presta para a Humanidade, convidando diversos países a também colaborarem. Outros setores argumentam que essa proposta não é ética. Mas não está se vendendo a floresta nativa. Pelo menos 48% da floresta amazônica remanescente encontra-se em áreas de proteção. Grande parte delas, porém, só existe no papel. Essas áreas ajudaram a conter a especulação e grilagem de terras públicas. Mas é um patrimônio imobilizado. Não fazer nada pode implicar vê-las invadidas e griladas.

O senhor acredita na existência de um movimento pela internacionalização da Amazônia?
Isso é uma paranóia herdada dos governos militares. Acho que estamos perdendo a oportunidade de liderar a discussão ambiental global, que poderia até gerar uma bandeira para o próximo presidente, já que a atual, a do biocombustível, é uma falácia. Há estudos indicando que a produção de biocombustível poderá criar, a longo prazo, uma pressão tão grande no uso da terra que será capaz de interferir nas mudanças climáticas.