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Nº 1593 - Ano 34
3.12.2007

Um fluxo, múltiplas cópias

Pesquisadores aperfeiçoam tecnologia para transmissão de vídeo e TV pela internet

Ana Maria Vieira

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“Apesar do esforço do governo brasileiro e de outros países em desenvolver o sistema de TV digital aberta, é provável que, num horizonte de cinco a dez anos, ele seja mais bem-sucedido através da internet.” A avaliação, feita pelo professor Hani Yehia, do departamento de Engenharia Eletrônica, sobre a provável obsolescência desse novo modelo, pode surpreender quem aguarda o início de seu funcionamento no Brasil. Ela, no entanto, se respalda em tendência mundial delineada pelo comportamento dos consumidores e pela competição entre empresas do setor, interessadas em aperfeiçoar a qualidade da tecnologia de transmissão de dados, vídeo, som e imagem pela internet.

A UFMG também participa da prospecção desse nicho, com projeto de pesquisa para desenvolver arquitetura de vídeo sobre IP (Internet Protocol) que viabilize a oferta de serviços de IPTV (televisão IP) e vídeo sob demanda (VoD). O trabalho está sendo realizado pelos laboratórios Cefala e LabCOM, do departamento de Engenharia Eletrônica, em parceria com a ComunIP, empresa especializada em multimídia na internet, que recebeu, recentemente, cerca de R$ 1,2 milhão da Finep, para esse objetivo.

Conforme explica Hani Yehia, que coordena o projeto junto com o colega de departamento, o professor Luciano de Errico, a parceria prevê a transferência de know-how à ComunIP. O conhecimento produzido, no entanto, deverá tornar-se público pelos meios convencionais – aulas e publicação de artigos. Já a implementação da plataforma tecnológica será feita pela própria empresa.

“A principal limitação que impede as pessoas de verem televisão usando internet e computador está na insuficiência das bandas largas disponíveis, com taxa de transmissão de 2 megabits por segundo”, explica Hani Yehia. O problema se agrava, pois cada demanda – vídeo, dados, imagem e som – gerada pelo usuário na rede resulta em fluxo exclusivo de transmissão para ele.

O pesquisador faz as contas dos bits que circulam nesse sistema de tráfego, conhecido como unicasting: “Imagine que uma rádio transmita a 20 mil bits por segundo. Se ela tiver um ouvinte, deve enviar-lhe fluxo desse mesmo valor. Com mil ouvintes, no entanto, precisa mandar 20 milhões de bits por segundo. Isso é viável, mas para a televisão, a história é outra, pois imagem, som e vídeo exigem mais bits para serem codificados do que o som. O usuário de televisão demanda um milhão de bits por segundo. Se ela tiver mil espectadores, precisará de 1 bilhão de bits por segundo, ou 1 gigabits/s”, reflete. Nessas condições, a rede fica saturada e os quadros dos vídeos não se movem.

Uma das maneiras de enfrentar o problema seria tornar a internet mais rápida, capaz de transmitir mais bits por segundo. Outra alternativa, observa Luciano de Errico, é implantar protocolo de transmissão multicasting. “Ele permite que o mesmo fluxo de bits seja enviado para múltiplas pessoas”, diz. Por essa via, roteadores instalados em estações próximas aos usuários recebem o fluxo de um vídeo, por exemplo, e disparam cópias para o grupo de pessoas da vizinhança que o tenha solicitado.

Apesar de possibilitar grande economia, o multicasting, sem a infra-estrutura necessária, não é suficiente para viabilizar a transmissão de TV, de modo massivo, pela internet. “Tecnicamente, é possível fazer isso com esse protocolo: ele já está desenvolvido. No entanto, não está implementado em muitos dos roteadores que compõem a internet”, ressalta o professor.

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Foca Lisboa

Leveza na transmissão

A terceira via identificada pelos pesquisadores – e que será objeto de investigação nos laboratórios da Universidade – é o desenvolvimento de sistema de compressão do sinal de vídeo, capaz de torná-lo menos “pesado” no momento em que seja solicitada sua transmissão na internet. “O desafio é conciliar tráfego, qualidade do sinal e custo computacional da codificação, para que os vídeos transitem eficientemente pela rede e cheguem ao usuário sem grandes distorções”, sintetiza Luciano de Errico. Como o sistema é complexo, surge outra questão apontada pelos professores: criar metodologia para medir a qualidade da codificação do vídeo.

Segundo Hani Yehia, as técnicas de compressão do sinal sem perdas consistem em eliminar informação redundante, o que “permite economia de 20 a 50% em sua taxa de transmissão”. Esse descarte não resulta em perda de qualidade da informação, uma vez que a compressão do sinal foi realizada com a simples eliminação das repetições.

Problema inverso ocorre quando a compressão do sinal é feita com perdas, o que permite que o tráfego tenha uma redução da ordem de dez a cem vezes. Nesse processo, deixa-se de codificar algumas informações pouco perceptíveis para as pessoas. “Há freqüências que, em determinadas intensidades, mascaram outras vizinhas a ela”, exemplifica Hani Yehia. “Assim não é necessário gastar bits para codificar o que praticamente não é perceptível”, acrescenta.

Para saber, contudo, o que pode ser eliminado, é preciso realizar medições. O procedimento é condição fundamental para assegurar a qualidade da informação que será comprimida. A metodologia já está sendo desenvolvida pela equipe vinculada ao projeto. A intenção é aperfeiçoar técnicas para transmissão em tela cheia e em resolução SDTV, comparável à da TV convencional.

Multinacionais querem viabilizar sistema

A convergência das mídias televisão, rádio, aparelho de som, telefone e Internet em um único equipamento certamente não é novidade no mercado. Da mesma forma, transmissão de vídeo pela rede IP – conhecido como vídeo sob demanda (VoD) – é parte da rotina de muitas corporações e pessoas, e poderá, futuramente, desbancar locadoras de filmes, conforme analisam os pesquisadores Hani Yehia e Luciano de Errico. Basta lembrar o grande sucesso que se tornou o YouTube, modalidade de transmissão streaming de vídeo sob demanda, em que o usuário assiste à programação em tempo contínuo. O outro modo de vê-lo, ainda pelo sistema VoD, é o de download de arquivo.

Já a transmissão por IPTV ocorre geralmente em sinal comercial e fechado pela internet. As maiores operadoras estão na China, Espanha e Bélgica. Especialistas consideram que o sistema fará concorrência com operadoras de TV por assinatura. O serviço aberto de transmissão pela rede mundial de computadores também existe e tem sido nomeado como Internet Television. A qualidade dele, contudo, não se equipara à dos canais do sistema broadcasting. Conforme registram os professores da UFMG no decorrer de suas pesquisas, grandes empresas de telecomunicações já se mobilizam para melhorar em diversos pontos o funcionamento do sistema. Desde julho, assinalam eles, a AT&T, Ercisson, France Telecom, Panasonic, Philips, Samsung, Nokia, Siemens, Sony e Telecom Italia criaram o Open IPTV Forum, “com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de tecnologias, interoperabilidade, provedoras de conteúdo e serviços, fabricantes e infra-estrutura”.

 

Uma infovia para as Ifes

O compartilhamento de arquivos digitais entre canais de televisão por meio da internet já é realidade na UFMG. O sistema utiliza a infovia da Rede Nacional de Pesquisa (RNP) e foi idealizado em 2003 pelo professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Alberto Martins da Rocha, com o objetivo de permutar softwares livres e programas de rádio e TV produzidos nas instituições federais de ensino superior (Ifes), de modo democrático e descentralizado.

“Desenvolvemos proposta baseada em Vídeo sob Demanda (VoD) que cadastra arquivos e permite sua troca entre as universidades”, diz o professor. Por esse modelo, qualquer instituição participante do sistema – denominado RedeIfes – disponibiliza e escolhe programas de outras emissoras.

A utilização da estrutura de banda larga de alta capacidade da RNP, que interliga a Ifes, é considerado fator fundamental para o sucesso do projeto. Mas, além disso, foi necessário desenvolver estudos relativos à compressão de sinal. Os primeiros testes de plataforma tecnológica feitos pela UFPR optaram pelo formato MPEG-2, que permite transmitir sinais pela rede com qualidade similar à dos vídeos comuns.

Os planos, no entanto, foram reformulados a partir de investimento de R$ 1,5 milhão realizado pelo MEC, com o apoio da Andifes. Os recursos serão destinados à aquisição de equipamentos em 58 instituições federais de ensino participantes do sistema. De acordo com Carlos Alberto, a licitação foi concluída e espera-se, para breve, a chegada das estações de trabalho. “Elas foram adquiridas com softwares proprietários que processam a edição e conversão de vídeos para outros formatos”, explica.

A expectativa é que a compra dos equipamentos estabeleça novo patamar na consolidação da rede, pois as unidades regionais de produção compartilharão padrões técnicos similares. “Com essa compatibilidade técnica entre os integrantes do sistema, poderemos começar a utilizar o formato MPEG-4, que garante qualidade de sinal equivalente à de broadcasting”, projeta o professor.

Em tempo contínuo

Outra experiência de ponta na área está em curso na UFRJ com a Web TV. Essa modalidade transmite programas dos computadores diretamente para o público em tempo contínuo (streaming). O software que viabiliza o processo foi desenvolvido pela própria federal carioca e deverá ser distribuído gratuitamente às outras universidades pela RedeIfes. A limitação, contudo, para sua disseminação é a capacidade da rede, ainda pequena para suportar tráfego de tão larga escala.Segundo Carlos Alberto, os testes em streaming, serão, por esse motivo, retardados.

Atento à necessidade de expandir a experiência de redes na área, ele antecipa, por outro lado, que realizará testes no próximo ano visando a integrar rádios de instituições públicas de Portugal e da América Latina – Argentina, Brasil, Cuba e Venezuela.

“O movimento da RedeIfes fortalece as emissoras universitárias e abre portas para a democratização da informação”, avalia Marcílio Lana, diretor assistente do Centro de Comunicação da UFMG. Ele lembra que a base tecnológica estabelecida também possibilitará o fornecimento de programas para a TV digital pública, além de estimular a experimentação de novas linguagens, em parceria com outras instituições.