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Nº 1608 - Ano 34
06.05.2008

Janela indiscreta

Tese identifica ação moduladora de peptídeo em neurônios relacionados à regulação da pressão arterial

Ana Maria Vieira

A American Physiological Society entregou, em 8 de abril, durante congresso realizado na cidade de San Diego, nos Estados Unidos, prêmio à ex-aluna de doutorado da UFMG Ana Quênia Gomes da Silva, por conclusões de sua tese, defendida no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) no final de 2007. Não foi a única distinção recebida pelo estudo. Ele já acumulava outras similares concedidas pela Sociedade Brasileira de Fisiologia e pela Merck Human Health Division, junto à American Heart Association.

Tantos destaques encontram uma explicação: a identificação da ação de um peptídeo, a angiotensina 1-7 [ang-(1-7)] sobre subnúcleo do hipotálamo responsável pela regulação da atividade simpática para os rins, coração e vasos sangüíneos. O processo está relacionado à modulação da pressão arterial. “Isso não significa que o peptídeo produza efeito hipertensivo ou anti-hipertensivo, mas possui papel regulador nas atividades desse núcleo”, observa o professor Marco Fontes, do departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, que orientou a tese de Ana Quênia, financiada pelas agências CNPq e Fapemig.

Situado na região medial do cérebro, o hipotálamo é uma estrutura do sistema nervoso formada por subnúcleos, onde ficam abrigados grupos de neurônios que podem ser “disparados” na presença de substâncias diversas, como a angiotensina 1-7. Esse hormônio foi descoberto nos anos 80 pelo professor da UFMG Robson dos Santos, coordenador do Laboratório de Hipertensão do ICB, onde a tese premiada foi desenvolvida.

Como explica Fontes, a ang-(1-7) integra o sistema renina-angiotensina, que atua na corrente sangüínea, nos rins e no coração, regulando a pressão arterial. O trabalho da pesquisadora investigou a ação do peptídeo no núcleo paraventricular do hipotálamo, envolvido com o controle do tônus simpático (o calibre dos vasos sangüíneos). Quando há aumento da taxa de disparo de seus neurônios, provocado, por exemplo, por hormônios, esse núcleo pode promover a redução do tônus dos vasos, o que elevaria a pressão arterial.

Foca Lisboa
Marcos
Marco Fontes: angiotensina 1-7 modula pressão arterial

Originalidade

A presença da ang-(1-7) no hipotálamo e sua ação sobre o sistema cardiovascular já eram conhecidas pela literatura científica. A originalidade do estudo foi estabelecer conexões entre essas duas proposições, identificando alterações na atividade simpática, especialmente em determinados experimentos induzidos em ratos. “Isso ainda não havia sido investigado”, salienta Marco Fontes.

Os trabalhos procuraram avaliar a participação da ang-(1-7) no núcleo paraventricular em condições de dietas alimentares com altas doses de sal (hiperosmolaridade), durante apnéia do sono e no infarto do miocárdio. “Sobretudo nas condições de hiperosmolaridade e apnéia, ela possui papel excitatório para os neurônios dessa região”, afirma Fontes. Ele observa que, em tais contextos, bloqueando-se o peptídeo no subnúcleo, a atividade simpática se reduz de modo significativo. Os experimentos sugerem, portanto, que a ação da ang-(1-7) no subnúcleo, sob determinadas condições, contribui para a manutenção da pressão arterial. O professor alerta, contudo, que a relevância clínica do estudo deve ser consolidada em outros experimentos.

Também por esse motivo, a tese do ICB está abrindo novas janelas de pesquisa sobre a ang-(1-7), como a que avalia sua participação no hipotálamo frente ao estresse. Estudo de autoria do aluno de iniciação científica Augusto Martins Lima, orientado por Marco Fontes, indica, num aparente paradoxo, que a ang-(1-7) atenua a reação de taquicardia ao estresse emocional. “Sabemos que outro núcleo, o dorso medial do hipotálamo, é responsável por gerar resposta cardiovascular a essas situações e as angiotensinas também agem nessa região”, salienta o professor. Ele considera que um dos desafios será entender como elas atuam em diferentes núcleos, pois dentro do sistema nervoso central podem ter múltiplas ações.