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Nº 1658 - Ano 35
22.6.2009

Lição feita em casa

Plataforma tecnológica abriga estudos para vacinas contra zoonoses de impacto econômico

Filipe Chaves
Álvaro Cantini: novo método não exige investimentos elevados em laboratórios

Ana Maria Vieira

O carroceiro, seu cavalo e o cachorro guardam entre si solidariedade que ultrapassa a fronteira da sobrevivência: eles compartilham doenças. Leptospirose talvez seja a mais comum, em Belo Horizonte, ainda que não exclusiva a esse grupo. De ocorrência também assintomática, a zoonose é causada pela bactéria leptospira, que se aloja nos rins, podendo resultar em cegueira e morte. Realidade pouco relatada na Região Metropolitana, a doença tem se disseminado tanto que empresas internacionais de grande porte já buscam novas vacinas para colocar no mercado.

Exemplo recente é o licenciamento de plataforma tecnológica para produção de vacinas recombinantes firmado entre a UFMG e a Calier – empresa espanhola de saúde animal, que se fundiu à mineira Hertape, criada há 65 anos na Universidade. A plataforma consiste em know-how para modificação genética de lactobacilos, que atuam como partícula responsável pela introdução no organismo de antídoto para a infecção. Na fase inicial da parceria, a aplicação desse modelo para o desenvolvimento de vacinas específicas ainda será realizada pela UFMG, mais especificamente pelo Laboratório de Genética do ICB.

O foco está em moléstias de interesse econômico como febre aftosa, coccidiose – comum em aves –, raiva bovina, além de leptospirose canina e equina. Ainda que existam vacinas convencionais para elas, a produção sob novas bases traz diversas vantagens entre as empresas e os laboratórios de pesquisa.

“Ao invés de manusear agentes infecciosos, manipulo uma bactéria totalmente inócua para o meio ambiente e para as pessoas”, esclarece o coordenador das pesquisas Álvaro Cantini, professor do ICB e cotitular de patente nacional, obtida em 2007, para a plataforma. O procedimento permite encurtar prazos e reduz custos, devido a requisitos de segurança mais modestos. Já o método convencional, pelo fato de se valer da produção de colônias dos microrganismos causadores das doenças, exige investimentos elevados em laboratórios de níveis severos de segurança. Caso ocorram problemas em lotes dessas vacinas há perda de toda a planta física estabelecida para sua produção. Contrariamente, a técnica de manipulação genética pode ser executada em laboratórios comuns certificados pela Universidade.

Para as vacinas desenvolvidas pela equipe de Cantini, a previsão é de que as preparações farmacêuticas – chamadas protótipos vacinais – para testes animais estejam concluídas até o final de 2010. Outro diferencial é que não serão injetáveis, mas aplicadas em mucosas, como a oral, a vaginal e a nasal.

Perdas

A agilidade que a rota recombinante propicia é fator importante especialmente em tempos de epidemias globais ou locais de zoonoses, responsáveis por grandes prejuízos econômicos. “Perdas advindas da coccidiose chegam ao bilhão de dólares em todo o mundo e a milhões de reais no Brasil”, informa o professor, lembrando ainda repercussões negativas como o fechamento de mercados para a carne bovina oriunda de países que não controlam a febre aftosa. No caso da leptospirose, um dos maiores prejuízos atinge plantéis de cavalos. A infecção pode cegá-los, como tem ocorrido com animais da cavalaria da Polícia Militar em Belo Horizonte. De acordo com Cantini, sorogrupo da bactéria será colhida deles para o desenvolvimento da vacina.

A variabilidade de espécies de bactérias, protozoários e vírus – oriunda inclusive da mutação gênica – exige vacinas sempre específicas para alcançar eficiência na proteção contra as doenças animais. Nesse aspecto, os estudos na UFMG para a coccidiose deverão abranger um dos sete tipos prevalentes no país do protozoário responsável pela infecção. Posteriormente, a equipe pretende propiciar a cobertura para todos os demais tipos. Presente no solo, o coccídeo contamina frangos, ocasionando perda de peso – fator determinante para o extermínio de criações inteiras.

De acordo com Álvaro Cantini, os primeiros protótipos vacinais serão para febre aftosa e leptospirose canina e equina. Cerca de R$ 580 mil já foram destinados aos estudos pela Calier. Outros R$ 100 mil, captados junto ao CNPq, serão aplicados em investigações sobre a aftosa.

Recombinando genes

A produção de vacinas recombinantes inicia-se com o isolamento de bactérias de lactentes – os lactobacilos – dos mamíferos aos quais se destinam os produtos. O passo é necessário para a caracterização de suas propriedades probióticas. Sinteticamente, elas são identificadas num conjunto de substâncias antimicrobianas produzidas a partir da competição entre os lactobacilos e patógenos pelos nutrientes do organismo infectado.

Peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e ácidos orgânicos (lático e acético) são algumas dessas substâncias produzidas com o intuito de eliminar os agentes infecciosos. “Elas induzem resposta imune sistêmica e local”, explica Álvaro Cantini. Após a caracterização dos elementos probióticos, é realizada a modificação no lactobacilo, com a introdução de gene específico do microrganismo infeccioso. Ingerido ou injetado em animais por métodos vacinais, produz reação inflamatória no sítio da infecção, promovendo resposta imunológica do organismo. Usualmente, a modificação genética despreza a porção patogênica do agente.