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Nº 1661 - Ano 35
27.7.2009
Ana Rita Araújo
A salmonela, bactéria que infecta seres humanos e animais domésticos, pode ter desenvolvido um mecanismo que induz seu hospedeiro a eliminar a flora protetora do próprio intestino, abrindo caminho para a instalação da salmonelose. A evidência descoberta pelo professor Renato de Lima Santos, da Escola de Veterinária da UFMG, rendeu-lhe bolsa prêmio da Fundação Memorial John Simon Guggenheim, dos Estados Unidos. Em parceria com equipe da University Of California Davis, Santos deve desenvolver, no período de um ano, modelos experimentais para comprovar sua hipótese.
Em um universo de quase três mil candidatos de todas as áreas do conhecimento e das artes no mundo, 180 pesquisadores – dos quais seis brasileiros – foram agraciados com o prêmio. As bolsas da Fundação Guggenheim são concedidas a profissionais de comprovada qualificação excepcional para produção acadêmica ou habilidade criativa nas artes.
Os modelos experimentais que Renato de Lima Santos e sua equipe de colaboradores desenvolverão devem esclarecer o suposto mecanismo de indução de resposta bactericida que a salmonela provoca no hospedeiro. “Acreditamos que esta bactéria evoluiu um mecanismo que leva o hospedeiro a eliminar a própria flora intestinal. É uma resposta bactericida que, ao invés de combater a salmonela, favorece sua colonização”, explica o pesquisador. Entender esse mecanismo pode abrir caminho para alternativas terapêuticas ao atual tratamento da salmonelose, feito à base de antibióticos. “Isso é fundamental, uma vez que, a cada dia, surgem novas cepas, resistentes aos antibióticos”, completa o professor.
O estudo nasceu de pesquisa realizada em colaboração internacional – publicada na revista Nature Medicine em 2008 – que identificou a alta letalidade da salmonela quando associada ao SIV (equivalente ao HIV, presente em símios). Neste caso, o modelo desenvolvido em primatas por Santos, em parceria com o grupo da Califórnia e com a pesquisadora britânica Melissa Gordon, permitiu demonstrar a ocorrência de um defeito causado pelo SIV que leva à disseminação da salmonela para todo o organismo, em vez de deixá-la restrita ao intestino, como seria usual. “Queríamos entender por que o índice de letalidade da salmonela, que é de cerca de 0,5%, chega a até 80% em indivíduos com HIV”, diz Renato Santos.
Professor de patologia veterinária, Santos também atua em pesquisas nas áreas de fisiopatologia da reprodução e possui patente depositada de um método inédito de diagnóstico que pode reduzir a infertilidade em rebanhos ovinos. Segundo ele, a criação de ovelhas no Brasil tem impacto positivo na economia mas pode ser comprometida pela presença da bactéria Brucella ovis (B. ovis), que interfere na fertilidade de ovinos sexualmente maduros. A infecção, que ocorre em praticamente todos os países em que a ovinocultura tem relevância econômica, não dispunha de um método de identificação específico.
Segundo o pesquisador, os meios de detecção existentes no mercado alcançam a bactéria Brucella spp, mas não são específicos para identificar a B. ovis, devido ao elevado nível de identidade genética entre diferentes espécies. “Os poucos diagnósticos capazes de realizar a detecção da espécie-específica dos diferentes tipos de Brucella são muito dispendiosos e elaborados, uma vez que necessitam de técnicas adicionais”, explica. Com a transferência da tecnologia, poderão ser produzidos kits comerciais para diagnóstico in vitro.
Professor do Departamento de Clínica e Cirurgia da Escola de Veterinária da UFMG há 13 anos, Renato Lima Santos reúne em sua trajetória profissional atributos que o destacam pelo conjunto do seu trabalho e por sua contribuição científica. “Algumas coisas não podem ser medidas por publicações e prêmios, mas dão imensa satisfação, como a possibilidade de influenciar a formação de pessoas”, diz ele, ao citar duas ex-alunas que recentemente se destacaram em concursos nacionais. “Uma delas alcançou nota cem em bancas de duas diferentes instituições, e outra recebeu menção honrosa”, conta.
Santos, que também faz diagnósticos de rotina no Hospital Veterinário da UFMG, diz que o que mais o estimula e gratifica são as áreas de pesquisa científica e de ensino na pós-graduação. Com graduação e mestrado em medicina veterinária pela UFMG, fez pós-doutorado na University of California Davis, onde atuou como professor visitante. É consultor ad hoc de diversos periódicos nacionais e internacionais, incluindo Veterinary Microbiology, Veterinary Pathology e Infection and Immunity.