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Nº 1661 - Ano 35
27.7.2009

Jornalismo com tons dramáticos

Livro traz resultado de pesquisa que propõe nova maneira de encarar programas de TV que tratam da violência urbana

Itamar Rigueira Jr.

Acidente com motoqueiro. Assalto seguido de morte. Dois reféns no apartamento térreo. Vigilância. Denúncia. Microfone para vítima em lágrimas. Close no assassino. Apresentador indignado. E vociferando.

Se o parágrafo de abertura cumpriu seu objetivo, fez lembrar certo gênero de programa jornalístico que proliferou na TV brasileira no início dos anos 1990. O Aqui Agora e o Cidade Alerta foram seguidos pelo Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena e sucesso há oito anos na Bandeirantes. O programa virou alvo do interesse da jornalista Ligia Lana, cuja pesquisa resultou em dissertação de mestrado no Departamento de Comunicação Social da UFMG. O trabalho, que virou livro, é parte de projeto mais amplo, empreendido em torno das narrativas do cotidiano e da imbricação entre as narrativas da rua e as midiáticas, pelo Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociablidade (Gris), coordenado pela professora Vera França, também orientadora da pesquisa de Ligia.

Para além do sensacionalismo começa a se explicar pelo título. O interesse de Ligia Lana foi discutir a classificação que atinge os programas na linha do Brasil Urgente. Ligia admite que o programa é sensacionalista, já que “transforma fatos banais em uma coisa maior”. E é, em certos sentidos, malfeito: falta esmero, segundo ela, em checar informações, nem sempre se ouvem os dois lados, sobram palavras supérfluas e redundâncias, e há excesso de improviso e interrupções. Mas não deixa de ser telejornalismo. “Ainda que seguindo padrão diferente do tradicional, o programa traz informação para o espectador”, ela diz.

Por trás do fenômeno estão alguns fatores, segundo a análise da autora. Em primeiro lugar, pessoas comuns passam a se sentir representadas. Além disso, as classes privilegiadas têm atendida uma necessidade de olhar para a “periferia”. Ligia Lana ressalta que o contato – mediado pela televisão – com a realidade amarga e as possibilidades de violência a que estamos sujeitos é útil. “As pessoas não querem ser atingidas, por isso precisam entender a lógica do criminoso”, ela afirma.

Para alcançar esse objetivo, o Brasil Urgente e seus congêneres – e até o mais jovem e sofisticado Profissão Repórter, da TV Globo – lançam mão de recurso infalível: a câmera se aproxima intensamente dos objetos da reportagem. Quando Datena diz (ou grita) frases como “vamos chegar mais perto” e “quero ver a cara do criminoso”, ele atende ao espectador sedento daquela realidade.

Nova abordagem

Ligia explica que a pecha de sensacionalista e a denominação “telejornalismo policial” ignoram a compreensão de relações mais complexas que o programa estabelece com a vida social. Ela propõe a expressão “telejornalismo dramático”, que destaca a busca pela proximidade com o dia a dia da cidade e a construção de contextos mais amplos. Como a autora explica na introdução, “o livro indaga como o Brasil Urgente constrói, configura e reconfigura a vida cotidiana a partir de acontecimentos comuns de uma grande cidade brasileira”.

Em seu trabalho, a doutoranda defende que as pesquisas sobre televisão superem a abordagem dos programas populares que privilegia a crítica de sua temática. A substituição da perspectiva do sensacionalismo pela da vida cotidiana permite perceber, por exemplo, que “a rua é o terreno da igualdade, local em que todas as pessoas compartilham os riscos da vivência cotidiana”. Ela acrescenta, a propósito, que não é casual que a audiência de Brasil Urgente seja bem distribuída entre as classes sociais, conforme dados de pesquisa de audiência que a edição traz ao final.

O dramático, de acordo com Ligia Lana, não resulta apenas da estratégia discursiva; está intimamente relacionado também à revelação da crueza do cotidiano e à aproximação das histórias diárias de pessoas comuns. “O programa fala com a gente, orienta nossa vivência na cidade”, diz a pesquisadora.

Livro: Para além do sensacionalismo
Autora: Ligia Lana
Editora: e-papers
88 páginas
Preços (www.e-papers.com.br): R$ 19 (impresso, excluído o frete) e R$ 9,50 (versão eletrônica)