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Nº 1664 - Ano 35
24.8.2009

Fechando o cerco

ICB desenvolve estratégia terapêutica que regula resposta do organismo a agentes patogênicos; método pode ajudar a combater nova gripe

Ana Rita Araújo

Um novo conceito no tratamento de viroses pode ser o caminho para combater doenças como a Influenza A. Equipe coordenada pelo professor Mauro Martins Teixeira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, vem estudando modelos experimentais com a finalidade de propor o uso de um fármaco que não combate diretamente o vírus, mas afeta a resposta inflamatória do organismo infectado.

A estratégia, testada com sucesso em terapias contra a dengue, baseia-se no fato de que, ao reagir às viroses, o organismo pode causar lesões em seus próprios tecidos. No caso estudado pela equipe de Mauro Teixeira – a infecção pelo vírus H1N1 adaptado a camundongos –, constatou-se que as reações à doença, por serem muito acentuadas, são danosas para o organismo.

“Quando se tem uma infecção, leucócitos são direcionados para o local com a finalidade de defender o organismo. E embora o recrutamento de defesa seja importante para combater o vírus, a persistência dessas células pode causar lesão nos tecidos do órgão afetado, no caso, o pulmão”, explica a pesquisadora Cristiana Couto Garcia, que defendeu, na primeira semana de agosto, dissertação sobre o tema.

Orientado por Mauro Teixeira, o trabalho confirmou que a gravidade da doença causada pelo vírus Influenza aumenta proporcionalmente ao recrutamento de células inflamatórias no pulmão, que chegam a destruir partes de sua estrutura. “Tínhamos uma hipótese: como a inflamação exacerbada leva à letalidade, se diminuíssemos a inflamação, o organismo teria uma resposta ideal para combater o vírus, que não fosse prejudicial para si”, relata a pesquisadora. Desse modo, a pesquisa também constatou o efeito positivo da estratégia terapêutica que consiste em bloquear a ação da molécula produzida pelo sistema imune e que é responsável por recrutar leucócitos durante processos inflamatórios. Cristiana Couto explica que a vantagem de suspender a atuação dessa molécula é a redução da resposta inflamatória, mesmo com o controle normal do vírus.

Modelos

Nos testes com camundongos, o bloqueio do receptor do Fator Ativador de Plaqueta (PAF, sigla em inglês para Platelet Activating Factor) foi realizado de duas maneiras. Na primeira, foram estudados animais geneticamente modificados, que têm o gene desse receptor “deletado”. No segundo modelo, camundongos normais receberam um fármaco que se liga a esse receptor, bloqueando-o. Esse fármaco já foi testado em humanos para outros tipos de doenças e sem uso comercial. Em ambos os modelos a proposta funcionou, tendo sido alcançada forte redução na mortalidade dos animais. A pesquisadora acredita que o uso desse tipo de fármaco pode se constituir numa estratégia para tratamento de humanos. O estudo mostrou ainda que a associação do fármaco bloqueador do PAFR com o Tamiflu, medicamento já aprovado para o tratamento da gripe H1N1, potencializa o efeito dos dois.

Cristiana Couto conta que começou a trabalhar com o vírus H1N1 em 2006, depois da pandemia de H5N1, ou gripe aviária. “O professor Mauro Teixeira sugeriu que a pesquisa com o vírus H1N1 poderia ajudar na investigação do H5N1”, diz. Ela explica que os vírus Influenza A que comumente infectam humanos e circulam todo ano são o H1N1 e H3N2. “Mas cada um tem sua característica genética, seus antígenos e sua patogenicidade. A diferença do vírus atual para o da gripe comum é que ele teve origem recente de outro hospedeiro, no caso, aves e suínos”.

Mauro Teixeira destaca a importância do conceito de fármacos que modificam as doenças, mas adverte que ainda são necessários testes em outros modelos, antes de serem realizados estudos pré-clínicos. “Isso leva anos, não podem ser usados na atual pandemia”, comenta. Ele acredita que, no futuro, o bloqueio da resposta imune pode gerar medicamentos para as gripes convencionais, “que normalmente causam mais mortes que a atual pandemia do H1N1”.

Teixeira e seu grupo têm outros trabalhos nessa linha, além da Influenza. “Desenvolvemos pesquisa com dengue há algum tempo e já trabalhamos um pouco com T. Cruzi e com choque séptico.” Ele explica que o conceito tem se mostrado mais viável em vírus do que em bactérias, já que, nas infecções bacterianas, quando se tira a ação inflamatória das células suprime-se a resposta imune. “Nos vírus, em teoria, é mais fácil conseguir resultados positivos, como já demonstramos nessa prova de conceito, ao retirarmos aspectos da resposta inflamatória”, comenta.

Em 2007, quando o trabalho começou a render os primeiros resultados, Teixeira depositou pedido de patente do uso das moléculas que são antagonistas do receptor de PAF no tratamento de infecções pelo vírus Influenza. “É uma patente do tratamento e não da molécula”, destaca Cristiana Couto, que tem como projeto de doutorado o estudo das infecções bacterianas secundárias que surgem como consequências de uma gripe. “Pretendo estudar essa fase de mudança no sistema imune, que torna o organismo mais suscetível a bactérias”, antecipa.