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Nº 1664 - Ano 35
24.8.2009


Amazônia: sai o extrativismo, entra a ciência

Priscila Brito

A construção de novo modelo de desenvolvimento da Amazônia precisa se basear na ciência e na tecnologia e não no extrativismo ou na exploração pura e simples dos recursos naturais. É o que defende o professor Artur Luiz da Costa da Silva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que proferiu, no início do mês, a aula inaugural do Núcleo de Pós-Graduação do ICB. Ele é um dos primeiros pesquisadores brasileiros a usar a técnica de next generation, que sequencia o DNA de micro-organismos em muito menos tempo do que o gasto pelo método convencional.

Mas o próprio Costa da Silva aponta, nesta entrevista ao BOLETIM, uma série de dificuldades para dar forma ao modelo que preconiza, como o escasso conhecimento sobre a biodiversidade microbiológica e a pequena concentração de pesquisadores na região.

É possível dimensionar a biodiversidade amazônica?

A biodiversidade tem que ser tratada em diferentes níveis. Temos a biodiversidade mais cotidiana, de animais e plantas, que chamamos de megadiversidade. Podemos falar também de biodiversidade cultural, referente aos povos pré-colombianos que habitam a região. Sob o ponto de vista da biodiversidade microbiológica, não conhecemos praticamente nada. O que temos lá é fruto do conhecimento dos próprios habitantes, que utilizam substâncias e plantas na farmacopéia local. Mas, do ponto de vista operacional, nenhum desses produtos é aproveitado comercialmente. Existe uma lacuna muito grande entre o que se tem lá e o que se tira proveito de lá.

Por quê?

A colonização da Amazônia é muito recente, inclusive no que diz respeito ao aproveitamento dos seus recursos naturais. O Brasil se deu conta de que existia essa área e que ela poderia ser de interesse do país há pouco mais de 40 anos. Foi nessa época que começaram a ser implantados os grandes projetos de exploração da região: usinas hidrelétricas e empreendimentos agropecuários. Não dá para comparar a história que nós temos lá com a história que temos em Minas e no Rio, colonizados há muito mais tempo. Só agora estamos começando a nos preocupar com a floresta e acho que, se quisermos aproveitar os recursos dela, isso terá que ser feito com base em uma revolução técnico-científica. Teremos que aprender a usar a ciência para retirar da floresta o que ela pode oferecer. Não será por extrativismo nem por meio de nenhum outro modelo usado no Brasil nos últimos 500 anos.

Há pesquisadores suficientes para estudar todo o potencial da Amazônia?

Temos 3% de todos os doutores do país trabalhando na Amazônia, que representa 53% do território brasileiro. Por outro lado, São Paulo concentra 80% de todos os doutores do Brasil. É uma relação desigual. Há uma megadiversidade na região, mas não há pessoal suficiente com a formação necessária para estudá-la. A pressão internacional é enorme, o país responde a ela, mas ainda não temos pesquisadores qualificados em número suficiente para enfrentar esse desafio.

O senhor veio à UFMG para falar sobre a nova geração da genômica. O que significa isso?

É uma nova forma de sequenciamento de DNA feita com equipamentos que chamamos de next generation. As primeiras máquinas do gênero foram lançadas em 2007 e o Brasil comprou quatro delas. As duas primeiras foram para Minas e Belém. Neste momento, estão sendo instaladas uma na Fiocruz do Paraná e outra no Instituto Ludwig de Pesquisas Sobre o Câncer, em São Paulo. O que esse equipamento faz é uma revolução. Antes de utilizá-lo, desenvolvemos estudo de decodificação do genoma de uma bactéria que mobilizou mais de 100 pessoas e 25 equipamentos trabalhando exaustivamente durante dois meses até que a pesquisa fosse concluída. Hoje, com essa nova tecnologia, o mesmo trabalho é feito por uma pessoa em apenas cinco dias. Sob o ponto de vista operacional é fantástico. Um número menor de pesquisadores trabalha para obter mais informações em um prazo mais curto. Minas e Belém estão adquirindo a próxima versão do equipamento, que ampliará a capacidade de leitura em 10 vezes.

Qual o diferencial dessa tecnologia?

A principal diferença entre essa tecnologia e as outras usadas anteriormente é que não é preciso passar pela clonagem, passo técnico que demorava muito tempo. As reações que amplificam o DNA e identificam as bases do código genético são realizadas pela própria máquina. O equipamento funciona como um grande microscópio, registrando fotograficamente a incorporação de cada um dos nucleotídeos do DNA. Não há participação alguma do homem nesse processo.

O senhor faz parte de uma rede de cooperação acadêmica para estudo da Amazônia. Como ela funciona?

Em 2007, o MEC, por meio da Capes, lançou uma rede para estimular a mobilidade entre instituições federais de ensino como forma de democratizar os núcleos de excelência no país. Como a UFPA já tinha uma relação com a UFMG, propusemos montar uma rede entre as duas universidades. Criamos uma turma-piloto de bioinformática em Belém e estabelecemos um programa de mobilidade com a UFMG, que tem pós-graduação na área. Juntamos esses esforços aos investimentos do governo federal e do governo do Pará e conseguimos implantar uma plataforma genômica de alto rendimento em Belém. Os resultados obtidos são fantásticos. Graças a essa parceria, o Brasil foi o primeiro país na América Latina a produzir sequenciamento genético de next generation. Isso é um marco histórico. O governo do Pará e a Fapemig manifestaram agora o interesse de criar um protocolo de colaboração efetivo entre a agência mineira e a paraense (Fapespa).