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Nº 1695 - Ano 36
17.5.2010

‘Síndrome’ da baixa adesão

Apesar dos bons resultados do tratamento antiaids, desistência entre pacientes é elevada, alerta pesquisa

Ennio Rodrigues*

Arquivo pessoal
Orientador Mark Guimarães e Gustavo Rocha: tratamento correto e contínuo garante melhor qualidade de vida e menos internações

A aids não tem cura, mas seu tratamento evoluiu tanto nos últimos anos que a doença já é vista como uma diabetes – se não é possível eliminá-la, pode-se conviver relativamente bem com ela. Apesar disso, o índice de portadores do HIV que não aderem ao tratamento pode variar de 23% a 75%, dependendo das fontes de pesquisa.

A conclusão consta da dissertação do infectologista Gustavo Machado Rocha, defendida na Faculdade de Medicina da UFMG no mês passado. Entre 2001 e 2003, Machado Rocha acompanhou o tratamento de 288 pacientes atendidos no Hospital Eduardo de Menezes e no Ambulatório Orestes Diniz do Hospital das Clínicas da UFMG. Desse total, 28% desistiram do tratamento já no primeiro ano e cerca de um terço tomou menos de 95% da quantidade de medicamento necessária.

O levantamento de Gustavo Rocha baseou-se em três frentes: os prontuários médicos, que revelaram que 23% dos portadores do HIV não aderiram ao tratamento, os próprios pacientes – 32% declararam não seguir as prescrições de seus médicos – e as farmácias dos ambulatórios, cujos registros apontam que 47% dos pacientes não retiravam os medicamentos com a regularidade necessária e 28% abandonaram o tratamento no primeiro ano.

A pesquisa também revelou que a maioria dos pacientes acompanhados – 68% – iniciou o tratamento tardiamente, quando já haviam desenvolvido alguma doença oportunista ou estavam com a imunidade baixa. Na opinião do pesquisador, o fato de muitos infectados não acreditarem no sucesso do tratamento também contribui para a baixa adesão.

“Os brasileiros pensam que, se o resultado for positivo, eles invariavelmente vão morrer logo. Essa é uma impressão falsa, que precisa acabar”, defende o infectologista. Segundo ele, a pessoa que adere ao tratamento terá tempo de vida semelhante ao de uma pessoa não infectada, ao passo que o não aderente certamente desenvolverá doenças relacionadas à aids, com o risco de morrer em poucos anos.

Pessoas de baixa escolaridade e renda e usuários de drogas estão entre os grupos mais propensos a usar a medicação de forma irregular. Gustavo Rocha defende que os pacientes sejam acolhidos por uma equipe multiprofissional, capaz de lidar com outros aspectos envolvidos no tratamento. “O ideal é dispor de enfermeiros, psicólogos, infectologistas, assistentes sociais e farmacêuticos, entre outros profissionais”, enumera.

O levantamento considerou como aderente ao tratamento o paciente que declarou tomar pelo menos 95% dos medicamentos indicados, que os retirava mensalmente das farmácias dos ambulatórios ou que não tinham qualquer registro de não adesão no prontuário médico. A pesquisa compõe o Projeto Atar, estudo prospectivo de adesão ao tratamento antirretroviral em indivíduos infectados pelo HIV/aids, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG.

Estima-se que no Brasil existam 600 mil infectados com o vírus HIV, dos quais cerca de 180 mil estão em tratamento. De acordo com os resultados de revisão, Gustavo Rocha calcula que aproximadamente 60 mil pacientes podem, de fato, estar fazendo uso irregular dos antirretrovirais.

Tratamento acessível e simplificado

A baixa adesão dos pacientes com aids ao uso de antirretrovirais contrasta com as facilidades oferecidas pela terapêutica moderna de combate à doença. Os medicamentos atualmente prescritos, disponibilizados gratuitamente pelo SUS, estão cada vez mais simplificados. Há alguns anos, os esquemas eram mais complexos, com maior número de comprimidos e repetidas doses por dia, o que aumentava a ocorrência de efeitos colaterais.

Existem mais de 20 tipos de medicamentos, e os médicos receitam os mais indicados para cada caso. Na forma de comprimidos, eles podem ser tomados via oral e com regularidade menor, favorecendo ainda mais a adesão. “Além de diminuir a replicação do HIV, seguir o tratamento correta e continuamente garante melhor qualidade de vida, reduz a incidência de doenças relacionadas, o número de internações e a transmissão de vírus resistentes aos medicamentos antirretrovirais”, exemplifica Gustavo Rocha.

O tratamento inicial é composto por dois ou três remédios que, combinados, impedem a reprodução do HIV. “Quanto mais tempo houver entre o diagnóstico e o início do tratamento, maior será o dano causado pelo vírus ao sistema imunológico do portador”, alerta o infectologista, que acrescenta: “O nosso maior desafio é identificar o vírus o quanto antes e garantir que os pacientes não parem de se tratar”.

Como em todos os processos com antibióticos, o uso em dosagem menor que a necessária aumenta a possibilidade dos vírus sofrerem mutações e ganharem resistência. “Eles se multiplicam, diminuem as defesas do corpo e elevam drasticamente o risco de doenças oportunistas. É a chamada falência terapêutica”, define o autor da dissertação.

Dissertação: Monitoramento da adesão ao tratamento antirretroviral no Brasil: um urgente desafio
Autor: Gustavo Machado Rocha
Orientador: Professor Mark Drew Crosland Guimarães
Programa: Pós-graduação em Saúde Pública, da Faculdade de Medicina da UFMG
Defesa: 15 de abril de 2010

*Estudante de jornalismo da UFMG e estagiário da Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina