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Nº 1774 - Ano 38
7.5.2012

opiniao

É possível uma educação orientada para o bem comum?

Carlos Eduardo Firmino*

Concordemos em um ponto: a forma como temos guiado nossa vida em sociedade não parece ser, nem de longe, a mais correta. Por mais que não saibamos dizer qual seria a forma ideal – até porque não parece haver nenhum exemplo, ao longo da história, que sirva de referência – e não dispomos de algum tipo de receita pronta, há algum sinal no ar que incomoda. É como se a vida dissesse: “olha, as coisas não vão bem!”. De quais coisas falo? Falo das coisas de forma genérica, mineiramente. Concordemos que o trem não vai bem, principalmente, em relação ao diálogo, à possibilidade de convivência.

Continuamos avançando do ponto de vista tecnológico e, em certo sentido, vamos retrocedendo no que diz respeito à possibilidade de convivência. A vida virtual não nos deixa mentir. Não queremos aqui repetir a “velha” ideia de que as redes sociais, os chats, os microblogs, enfim, todo o aparato que compõe o universo da internet distancia as pessoas. O que queremos apontar é que, apesar de seu caráter pujante no que diz respeito à articulação das pessoas – inclusive em movimentos sociais –, o universo da internet propaga – com muita força – o preconceito, a intolerância e ideias higienistas em pleno século 21. Duvidas?

Uma simples passada de olho nos comentários de usuários em sites de vídeo, de notícias e entretenimento nos permite observar a decadência de nossa condição escancarada – de forma anônima, na maioria das vezes – em poucos caracteres. Um exemplo: a repercussão da intervenção na Cracolândia realizada pelo governo de São Paulo. Boa parte dos comentários feitos por internautas reforçava a ideia de que os zumbis – os noias, os crackeiros – não mereciam tratamento adequado e, sim, o banimento da convivência, uma espécie de sentença de morte.

O discurso apresentado no universo virtual condiz com aquele emanado em nosso cotidiano. No ônibus, na sala de espera e na fila do banco, tal ojeriza aos marginalizados e à diferença também se revela. Aqui o caso da Cracolândia – e da dita epidemia do crack, em última instância – também serve como exemplo. Aliás, qualquer caso exposto na mídia – principalmente quando há crianças envolvidas nas histórias – ganha proporções enormes, sempre tomadas de muita paixão e intolerância.

No fim das contas, questões importantes como racismo, sexismo/machismo, uso abusivo de drogas, violência contra a mulher, em suma, assuntos que merecem debate mais amplo, são sempre deixadas de lado. Assim, a possibilidade de viver juntos, numa convivência, digamos, possível, que vise à transformação social e ao bem comum, parece cada dia mais distante.

Não almejamos um tipo de amor incondicional entre as pessoas. Aliás, nem cremos nesta possibilidade. O relacionamento entre os homens, como já apontava Freud na obra O mal-estar na cultura, é a principal fonte causadora de sofrimento. Relacionar-se é extremamente difícil, exige muito esforço. Qualquer um, por experiência, sabe disso. É claro que temos alguma ideia de justiça, algum tipo de valor que orienta nossas ações. Ainda assim, sob a égide do relativismo que nos habita, temos dificuldade de localizar nosso entendimento acerca do que vem a ser o bem comum. Dessa forma, como responder à pergunta que dá título a este texto se não temos ciência do que se trata? Há outra questão: se a mudança social – e, consequentemente, o bem comum – se torna possível através da ação coletiva, é preciso ter em mente que tipo de sociedade queremos construir. E isso não parece tão óbvio. Será que estamos dispostos a abrir mão, minimamente que seja, de nossos interesses para acreditar na possibilidade de um viver juntos mais satisfatório? E o nosso egoísmo?

Somos essencialmente egoístas. Só nos preocupamos com nosso próprio umbigo. Tudo o que fazemos – desde uma “bela” ação de caridade até um ato de corrupção, vergonhoso e digno de repúdio – visa ao nosso próprio bel-prazer. Há, bem lá no fundo de cada um, resquícios de um egoísmo dito originário e orientado por um senso de utilidade que foi apresentado por Hobbes e revisitado por Freud: visamos sempre ao nosso bem-estar. Assim, não somos, por natureza, bons ou maus; somos egoístas.

Uma educação voltada para o bem comum deveria atingir a todos. Se crermos que a educação, diferentemente da aprendizagem, é um processo que ocorre ao longo de toda a vida e que somos capazes de nos aperfeiçoar como seres humanos, teremos que apostar que a resposta à pergunta do título é afirmativa. Devemos crer que é necessário atravessar nosso egoísmo e produzir uma política de vida em que a convivência seja possível. Em um mundo dominado pelo empuxo ao prazer e à efemeridade, resta pouco espaço para a convivência e para a tolerância. Pensar juntos em prol de muitos parece projeto antigo, coisa da modernidade.

Como tornar efetivo tal modelo de educação? A princípio, poderíamos dizer que a resposta viria por meio da reflexão, do conhecimento, mas ela não nos tranquiliza. A universidade, por exemplo, tem como um de seus principais objetivos auxiliar o desenvolvimento do pensamento crítico de seus alunos. No entanto, o pensar criticamente não garante a formação de sujeitos mais comprometidos com a realidade social. O saber acadêmico e técnico não busca e sequer dá conta de produzir indivíduos mais capacitados em relação à convivência com os outros.

Trata-se de um processo para toda a vida. Assim, a educação para o bem comum não ficaria a cargo das instituições tradicionais de ensino e, sim, de todos nós. Pode até parecer bobagem, um misto de pensamento moderno com humanismo cristão. Porém, é necessário crer que a possibilidade de aperfeiçoamento existe. Sem teleologia definida (o bem comum é uma incógnita), mas com uma referência, sempre próxima, de que é possível um pouco mais de esforço. Esforço, talvez, seja a palavra. A vida pede sempre um pouco mais de esforço.

*Psicólogo formado pela PUC Minas. Integrante do Grupo de Estudos em Saúde Coletiva do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Fafich