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Nº 1783 - Ano 38
9.7.2012

opiniao

Quem luta educa

Maria Dirlene Trindade Marques*

Na busca de mobilizar para a greve, ando pela Universidade, converso com professores, participo de reuniões. Estou reencontrando a UFMG: uma universidade crítica, questionadora, sensível, preocupada, ciente de sua importância. E ouvi muitos questionamentos. Trago alguns para uma reflexão.

Percebi, entre os colegas docentes, o receio de aderir à greve, por ouvirem com frequência que “os professores das universidades já são uma categoria privilegiada, não querem trabalhar e fazem má gestão dos recursos disponíveis”.

Esse é um argumento muito presente na grande imprensa, uma forma comum de jogar a sociedade contra a universidade pública para sucateá-la. Cobra dos professores a busca de recursos complementares para a sua manutenção e para melhoria dos salários por meio do mercado. Foi nessa lógica que, nos últimos anos, o processo de uma universidade prestadora de serviços foi se desenvolvendo, com seus professores disputando o financiamento em agências de fomento e empresas privadas. Sem abrir mão das atividades próprias da carreira: aulas, projetos de extensão, pesquisa, pós-graduação,  publicação, participação nos espaços coletivos de gestão da vida universitária. Tudo isso exige reuniões e mais reuniões, relatórios e mais relatórios. Como resultado, temos o crescimento assustador de estresse, adoecimento, insegurança, com perda da qualidade da universidade pública.

Outro argumento é que nossa greve não teria o apoio da população, pois “os salários não são ruins, quando comparados com o restante da sociedade”. Todos nós queremos uma sociedade justa e igualitária, com melhor distribuição da renda e da riqueza. Mas também sabemos pela história das lutas sociais que isso só vai ocorrer se houver a força da pressão dos trabalhadores.

O Brasil atual é um belo exemplo. O Programa Bolsa Família e o reajuste do salário-mínimo acima da inflação são atitudes que contribuem para a distribuição da renda. O problema é que isso tem ocorrido à custa da compressão dos assalariados médios. O que ocorre, portanto, é apenas uma redistribuição salarial e não da riqueza. A relação entre o capital e o trabalho permanece a mesma. O Estado tem cumprido papel fundamental na manutenção dessa ordem ao utilizar o orçamento para repassar mais recursos para o capital do que para suas funções sociais. No orçamento de 2012 está previsto repasse de 47,19% para o serviço da dívida e apenas 3,18% para educação. Isso tem provocado intensa degradação dos salários dos professores, dos funcionários, a terceirização de serviços, a piora da infraestrutura e dos equipamentos necessários a uma universidade de qualidade.

Vivemos na sexta economia do mundo, que se vangloria de repassar US$ 10 bilhões para o sistema financeiro internacional e não pode repassar recursos para a educação pública.

Houve também quem me dissesse que não pretende aderir devido à “intempestividade da greve”. De fato, na UFMG não houve um processo de discussão anterior. Mas, se olharmos o movimento nacional, ficamos sabendo que, desde 2009, há conversas com o governo sobre uma proposta de carreira. Em agosto de 2011, a negociação de reposição de 4%, sabidamente muito menor do que as perdas acumuladas, só foi aceita porque veio junto com a proposta de que um projeto de carreira com novo padrão remuneratório seria apresentado até 31 de março de 2012.

Como nada foi apresentado até 45 dias após a data prevista, a greve foi deflagrada nacionalmente. E o governo só fez o primeiro gesto quando 52 das 59 universidades federais já estavam em greve, encaminhando a Medida Provisória 568 com os 4% e a incorporação das gratificações. Mas como o saco de maldades não tem limites, quando se trata de negar alguns direitos e impedir a conquista de outros, existe, embutida na MP 568, uma medida sobre os cálculos daqueles que recebem insalubridade que afeta diretamente os médicos.

E nenhuma proposta sobre a carreira. Houve uma primeira reunião no dia 12 de junho, quando o governo se comprometeu a apresentar uma proposta, agendando novo encontro para o dia 19, que foi suspenso com o argumento de que os técnicos não tiveram tempo por estarem envolvidos com a Conferência Rio+20. Naquela data, a UFMG entrou em greve. Das 59 universidades federais, 57 estão paradas, com graus diferenciados de mobilização.

Participo do movimento desde a primeira greve das universidades federais, em 1980. Não faço greve porque gosto dela. Pelo contrário: é uma época em que trabalhamos muito antes, durante e depois fazendo a mobilização, dando visibilidade ao movimento e reorganizando todo o calendário. Faço greve porque sei que o Governo só negocia se for pressionado. E mesmo assim busca enrolar, desvalorizar, desrespeitar o movimento. Tudo, para ele, é mais importante que atender a reivindicação da educação. Se conseguimos manter a qualidade da universidade pública até agora foi porque lutamos. E lutamos muito.

Para terminar, vou citar aqui a fala de duas pessoas respeitadas por nós:

Por isso, os trabalhadores precisam se mobilizar e pressionar para ter alguma conquista. O silêncio leva à perda de direitos. Dois exemplos: em 2009, alcançamos ganhos financeiros imediatos, mas  comprometemos o futuro. E a reforma da previdência deste ano veio completar a perda de direitos históricos.  

Por tudo isso, conclamamos toda a categoria a entrar nesse grande movimento nacional. É o instante de parar a máquina e pensar em nossas relações de trabalho, na universidade, na educação que queremos, em nossas vidas. É hora de reestabelecer os laços de solidariedade. Precisamos estar juntos e fortes para nos fazermos ouvir.

*Professora aposentada da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG