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Nº 1783 - Ano 38
9.7.2012
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Itamar Rigueira Jr.
Seu Ivo, Dona Pedrina, Mãe Lia, Seu Expedito, Seu João Camilo, Dona Isabel e Dona Edite são mestres em cantos e línguas rituais de tradição banto ou iorubá, idiomas africanos da diáspora negra. Alguns deles não se conhecem. Vindos de diferentes regiões do estado de Minas Gerais, estarão juntos na Casa de Memória Chica da Silva para cantar e conversar nas línguas tradicionais, trocar cânticos e experiências.
Acompanhados das “mestres pesquisadoras” Yeda Pessoa de Castro e Sonia Queiroz, eles vão compor o grupo de trabalho Cantares em Línguas Rituais Africanas. O objetivo da atividade é promover maior conhecimento sobre essas línguas e estimular sua disseminação. “Poucos ainda dominam esse repertório, e essas línguas correm o risco de desaparecer, sobretudo porque os mestres têm dificuldades de encontrar a quem transmitir seu conhecimento”, explica a professora Leda Maria Martins, da Faculdade de Letras (Fale) e coordenadora da Casa da Memória Chica da Silva.
Para abordar os aspectos que envolvem a chamada “língua de nêgo”, a pesquisadora dá o exemplo do mestre Expedito da Luz Ferreira, capitão de reinado da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, no bairro do Jatobá, em Belo Horizonte. Ele aprendeu os cantos com o tio que, por sua vez, herdou seus conhecimentos de escravos e ex-escravos das fazendas localizadas na região do Barreiro.
“Os escravos usavam as línguas da diáspora para burlar a vigilância dos senhores e cumprir seus rituais sagrados. Toda a informação relacionada a seus povos de origem era passada nessas línguas”, conta Leda Martins, autora de teses e livros nas áreas de literatura, teatro negro e performance, e ela mesmo rainha de Nossa Senhora das Mercês, na Irmandade do Rosário, no Jatobá.
De acordo com a professora Sonia Queiroz, também da Faculdade de Letras, diretora de Ação Cultural da UFMG, o vocabulário do português brasileiro já registra a palavra vissungo, com o significado de canto de tradição africana. Ela esclarece, porém, que a palavra banto derivada do umbundo – língua falada no sul de Angola – quer dizer simplesmente canto.
Com base em estudos de campo como o do pesquisador Aires da Mata Machado Filho – que registrou 65 vissungos na região de São João da Chapada, distrito de Diamantina –, é possível identificar as diversas funções dos cantos, que acompanhavam trabalho, refeições, enterros, o cair da noite e até a chegada de um estranho ao ambiente do garimpo. O encontro de cantares na Casa de Chica da Silva – que terá como sede uma das residências onde viveu a famosa escrava forra retratada no cinema e na televisão – terá a participação do mestre de vissungos Ivo Silvério da Rocha, do povoado de Milho Verde.
“Os jovens e muitas pessoas mais velhas acham feio, ridículo, e não querem aprender os vissungos”, lamenta o mestre Ivo. Ele se diz disposto a ensinar, mas confessa que está perdendo as forças para continuar defendendo que o governo invista na transmissão dos conhecimentos tradicionais por meio do fortalecimento dos grupos e da inserção deles nas atividades de ensino nas escolas públicas “Dinheiro para isso existe”, enfatiza.
Discípulo de vários conhecedores das línguas e cantos que não sabiam ler nem escrever, seu Ivo, que completa 69 anos este mês, vê com bons olhos a oportunidade de contato com outros mestres. “Quero aprender com eles também”, diz ele, referindo-se aos mestres Expedito da Luz Ferreira, Pedrina Lourdes dos Santos, Maria dos Anjos Silva, João Pereira dos Santos, Isabel das Dores Gasparino e Edite Ferreira Mota.
Há algum tempo pesquisadores em etnolinguística da UFMG desenvolvem trabalho com cantos no Festival de Inverno. Mas este é o primeiro encontro de mestres nas línguas rituais. “É preciso preservar essa tradição. Descobrimos, durante a fase de pré-produção do Festival, que Diamantina, metrópole do Brasil Colônia e construída por negros, não tem uma Irmandade do Rosário nem conserva manifestações como o moçambique e o congo”, revela Sonia Queiroz. Ela conta ainda que os participantes do grupo de trabalho poderão ouvir gravações de cantos realizadas para a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos na década de 40.
Além do grupo de trabalho Cantares, a Casa da Memória Chica da Silva vai abrigar oficinas de processos criativos em teatro, com o diretor Marcio Meireles, do Bando de Teatro Olodum; de corpografias das culturas do Atlântico Negro, com o objetivo de estimular a criação com base na arte negra das Américas; e a que vai promover o diálogo do instrumento de cordas multissonoro kora com outros instrumentos. O kora é conhecido por acompanhar os griôs, narradores de histórias do Senegal.
A Casa terá ainda mostra de filmes e documentários sobre a memória (ligada à experiência negra no Brasil), exposição do fotógrafo Eustáquio das Neves e o sarau de roda, no dia 19, um grande encontro de cantores e instrumentistas com os participantes de outras “casas” do Festival. O sarau será em homenagem a Chica da Silva e à atriz Zezé Motta (intérprete da ex-escrava no cinema).
No dia 22, o Cortejo de Tambores do Rosário vai reunir grupos de catopé, congo, moçambiques, tamborzeiros e bandas de pífanos de cidades como Serro e Minas Nova. Reis, rainhas e súditos vão se dirigir à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde será realizada uma missa conga – celebração em templo católico com cânticos e instrumentos dos congadeiros.
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