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Nº 1812 - Ano 39
18.3.2013

opiniao

Racismo e homofobia institucionalizados: o azar é de quem?

Maria Aparecida Moura*

Tem causado constrangimento e indignação o ponto a que chegou o “jeitinho brasileiro” na política nacional. Verifica-se que acordos obscuros alçam aos postos de defensores dos direitos humanos representantes que ignoram o escopo das causas a que devem representar.

Em um contexto em que a ficha limpa tornou-se o atestado de idoneidade do político brasileiro, cabem questionamentos acerca dos perfis éticos e trajetórias dos sujeitos que se candidatam a discutir e votar propostas legislativas em defesa de nossos direitos fundamentais.

Há tempos, a ideia de que os fins justificam os meios tomou de assalto o contexto político e passamos a vivenciar cotidianamente as repercussões das incompatibilidades discursivas e das práticas incongruentes. Segundo informa o site da própria Câmara dos Deputados, as atribuições constitucionais e regimentais da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) “são receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos; discutir e votar propostas legislativas relativas à sua área temática; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor; colaborar com entidades não governamentais; realizar pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos humanos no Brasil e no mundo, inclusive para efeito de divulgação pública e fornecimento de subsídios para as demais Comissões da Casa; além de cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais, especialmente aos índios e às comunidades indígenas, a preservação e proteção das culturas populares e étnicas do País.

A criação desta Comissão, em 1995, integrou os esforços nacionais de reconhecimento da necessidade de vigilância e de proteção permanentes dos direitos humanos através da criação de dispositivos legais que permitissem salvaguardar as garantias internacionalmente reconhecidas de populações historicamente vulnerabilizadas. A existência da Comissão levou ao reconhecimento e à ampliação de direitos e à reconstituição da história social brasileira. Nesse período, tornou-se possível a efetividade de inúmeros dispositivos de proteção, como a Lei Maria da Penha, a Comissão da Verdade, as cotas raciais, a união homoafetiva, o acesso público a informação e a promoção dos direitos dos povos indígenas, dentre outros.

Não nos parece razoável a ocupação de cargos dessa envergadura por representantes que se opõem frontalmente ao reconhecimento da humanidade e dignidade dos sujeitos a quem devem representar

Ao verificar o estado de coisas a que se chegou devido aos loteamentos políticos, julgamos necessário relembrar o papel social das universidades como espaço democrático no qual os direitos humanos são tematizados, pesquisados, ensinados e defendidos. Dessa perspectiva, nos parece fundamental que partam também dos membros dessa instituição reflexões e ações que subsidiem a sociedade brasileira na defesa dos direitos humanos ante o retrocesso e a notória ­ameaça que representam os regimes de sucessão que se baseiam no loteamento do poder e se pautam pela governabilidade sitiada.

Quando a orientação política de nossos representantes públicos atropela os princípios de um país laico, multicultural e multirracial como o Brasil, cabe forte reação pública em prol dos princípios que tornaram imprescindíveis a existência da referida comissão. Nessa perspectiva, acredita-se que a imunidade parlamentar não pode se tornar um subterfúgio para o livre exercício de intolerâncias, racismo e homofobia institucionalizados, tais como as que verificamos no contexto da conturbada eleição da presidência da CDHM.

Nota-se que o recente confronto motivado pela eleição do deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) como presidente da CDHM evidenciou a incompatibilidade desses arranjos políticos partidários que se colocam acima das atribuições sociopolíticas das comissões. Não nos parece razoável a ocupação de cargos dessa envergadura por representantes que se opõem frontalmente ao reconhecimento da humanidade e dignidade dos sujeitos a quem devem representar: indígenas, migrantes, mulheres, homossexuais e afrodescendentes.

Nesse contexto, o azar é de quem?

Uma resposta simplista à questão tende a afirmar que é das populações-alvo da ação da CDHM. Todavia, o laissez-faire que orienta a resposta irrefletida a essa questão pode ampliar, encorajar e naturalizar a propagação desses acordos a outros contextos da sociedade, tornando-nos, assim, paulatinamente, e por omissão, reféns institucionalizados de práticas fundamentalistas de poder.

*Professora da Escola de Ciência da Informação da UFMG