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Nº 1812 - Ano 39
18.3.2013

Ciclo virtuoso

Mestrado profissional na área de saúde e paz viabiliza estudos que beneficiam projetos institucionais

Itamar Rigueira Jr.

Uma denúncia contundente das dificuldades enfrentadas pelas famílias dos portadores de doenças raras é o resultado da primeira dissertação defendida no mestrado profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, pela farmacêutica Renata de Macedo Moura (leia na página ao lado). O trabalho representa na justa medida o espírito e os objetivos do mestrado, criado em 2010 como desdobramento das atividades do Núcleo Promoção de Saúde e Paz, sediado na Faculdade de Medicina da UFMG.

O curso reúne profissionais em atuação em instituições e serviços de atendimento à população em áreas como saúde, educação e justiça. “Disseminamos procedimentos ancorados na metodologia científica entre profissionais que devem se apropriar desse conhecimento e aplicá-lo diretamente no local de atuação, produzindo, ao mesmo tempo, mais conhecimento”, explica a professora Elza Machado de Melo, coordenadora do Núcleo, criadora e coordenadora do curso. “O conhecimento nasce da prática e a ilumina”, completa Elza de Melo, lembrando que as pesquisas são geralmente desenvolvidas no próprio ambiente, o que torna mais produtiva e eficiente a aplicação do que se aprende no curso.

O mestrado recebe 30 alunos por ano – são sempre 60 em atividade, entre as disciplinas iniciais e o desenvolvimento da etapa final do trabalho. Metade das 300 horas-aula do curso é dedicada a disciplinas obrigatórias vinculadas à metodologia científica. Parte das matérias optativas (que na prática todos acabam fazendo) é cumprida em grupos formados de acordo com a identidade entre os projetos propostos pelos alunos.

“O trabalho feito nessas disciplinas fornece, por exemplo, aos municípios acervo inédito de informações sobre violência. Isso é muito importante na medida em que os dados no Brasil ainda são de baixa qualidade. A coleta é precária e praticamente inexiste interação de bancos de dados das diferentes cidades”, ressalta Elza Machado de Melo.

As disciplinas optativas de fato contemplam temas como trabalho, ambiente, ética e bioética e políticas públicas, reforçando a formação dos alunos de acordo com seus interesses específicos. Todas as disciplinas são ministradas em parceria com outros programas de pós-graduação da UFMG, e o corpo docente tem origem em cursos como Medicina, Fonoaudiologia, Enfermagem, Odontologia, Psicologia, Estatística e Educação, além de profissionais externos à UFMG.

Não há turmas fechadas para instituições determinadas. Os alunos são selecionados por meio de editais que preveem a redação de uma carta de intenções e de projeto de pesquisa e a realização de prova com perguntas abertas.

Intervenções

As pesquisas desenvolvidas no curso se transformam em intervenções que visam à humanização do atendimento em hospital, à otimização da rede de atendimento à mulher vítima de violência sexual ou mesmo à melhoria de sistemas de notificação de casos que envolvem violência.

Um dos trabalhos desenvolvidos no mestrado profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência analisa o banco de dados sobre benefícios do Bolsa Família na cidade de Betim e terá como produto uma proposta de reconstrução do banco, incluindo coleta de dados, disposição das informações e diálogo com outros sistemas.

Dois alunos angolanos já desenvolvem em seu país programa de agentes comunitários de saúde, inspirado na experiência brasileira. “Um projeto de intervenção como esse pode ser aceito como trabalho de conclusão de curso”, afirma Elza Machado de Melo, ressalvando que sempre se tem em mente um plano B, considerando a possibilidade de o mestrando não encontrar respaldo institucional para aplicação efetiva de sua pesquisa.

Como estratégia para vencer possíveis resistências, a coordenação do curso firma acordos com as instituições e convida seus representantes a conhecer e contribuir com as pesquisas. “Há sempre pessoas envolvidas além dos mestrandos. Eles se preparam por meio desse convívio, e os profissionais-estudantes estarão menos impotentes e vulneráveis à aridez do sistema”, justifica Elza Machado, que é médica sanitarista com doutorado em medicina preventiva e social pela USP.


Contra a violência, respeito e autonomia

A promoção da cultura da paz deve se basear em princípios como o de que a violência é uma questão de saúde pública e o de que é preciso atuar antes que ela aconteça. É essa a convicção que move o Núcleo Promoção de Saúde e Paz, criado em 2005 para pesquisar, intervir em comunidades e integrar e articular redes diversas dedicadas a uma abordagem da violência que privilegia a produção compartilhada de saberes teóricos e práticos.

Vinculado ao Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, o Núcleo teve origem na experiência de professores e alunos no Internato Rural. Um dos projetos mais emblemáticos e duradouros é o Frutos do Morro, desenvolvido na comunidade do Morro das Pedras, em Belo Horizonte. “Trabalhamos as relações políticas, sociais e culturais, estimulando o diálogo para prevenir a violência”, afirma a professora Elza Machado de Melo, coordenadora do Núcleo.

Professores e alunos bolsistas realizam atividades semanais que envolvem seis escolas da comunidade. Às oficinas de saúde, sociabilidade, jiu-jítsu, capoeira, dança e música, somam-se rodas de conversa cujo intuito é proporcionar aos adolescentes a oportunidade de expressar opiniões. “Lançamos mão de recursos físicos, artísticos e lúdicos na busca de maior integração dos adolescentes e deles com os estudantes de Medicina”, explica Elza Machado, que destaca o papel de liderança do Núcleo na composição da Rede Saúde e Paz e o apoio da Organização ­Pan-americana de Saúde (Opas) e do Ministério da Saúde a iniciativas como capacitação de recursos humanos.

Pesquisas em curso têm como focos, entre outros, a identificação dos maiores riscos para a saúde dos jovens e o entendimento da concepção do homem acerca do cuidado de si mesmo (sua relação com a violência, os pares e os filhos, por exemplo). “Tanto o homem como a mulher são vítimas do individualismo e da massificação. Vemos na raiz da violência a perda das relações saudáveis e éticas, e adotamos a meta de valorizar a autonomia dos sujeitos pela via da participação e da interação. Atuamos no Morro das Pedras há mais de dez anos e não registramos nenhum caso de agressão”, revela Elza Machado.