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Nº 1813 - Ano 40
25.3.2013

opiniao

Um momento de reflexão

Kildrei Alcântara Néri*

Nas últimas décadas, as organizações privadas e públicas começaram a buscar novas formas de gestão com o intuito de melhorar o desempenho, alcançar resultados e atingir a missão institucional. Por essa razão, observa-se um esforço das instituições na tentativa de mudar o paradigma retrógrado de “RH” para um modelo de gestão de pessoas, com a introdução de novas técnicas orçamentárias, descentralização administrativa de alguns setores, redução de hierarquias, implantação de instrumentos de avaliação de desempenho organizacional e, sobretudo, uma gestão voltada para resultados.

Infelizmente, não parece ser esse o caminho escolhido pelos nossos gestores nas instituições públicas, no caso, as universidades federais. A função do gerenciamento é manter todos os esforços para a criação e sustentação de uma cultura organizacional que conduza à excelência do desempenho e ao crescimento individual e institucional. Por outro lado, pode-se concluir que um dos grandes obstáculos para o crescimento da Instituição é a falta de pessoas produtivas, a perda de entusiasmo, a falta de motivação, muitas vezes geradas por um ambiente de trabalho alienante e desrespeitoso.

Posso afirmar que a adoção do ponto eletrônico caminha exatamente na contramão da gestão moderna de pessoas. É inadmissível acreditar que os servidores desempenharão de forma mais produtiva e com melhor qualidade suas funções na Instituição apenas mantendo-as em seus postos de trabalho, ainda mais da forma como está sendo imposto. Muito menos contribuir na consolidação da identidade de uma instituição de ensino que deveria primar pelo crescimento humano de todas as pessoas que dela usufruem ou nela trabalham.

Antes de “moralizar”, com muitas aspas, parte dos servidores da Universidade, é preciso promover a melhoria da qualidade de vida desses sujeitos, dando suporte técnico e humano em suas relações interpessoais e profissionais. Não posso acreditar que o único motivo pelo qual algumas poucas pessoas não cumprem seus horários de trabalho seja o desejo de se livrarem de suas obrigações profissionais. Existem vários outros elementos, tanto pessoais quanto institucionais, que levam à falta de comprometimento e, principalmente, à desmotivação laboral.

Não me convence a alegação da Administração Central de que o ponto eletrônico é uma “exigência do Ministério Público” e por isso não pode ser questionado. Um Decreto de 1996, desenterrado em estado de putrefação, não pode ser, no mínimo, discutido entre as partes? Por que desconsiderar completamente o atual contexto cultural, político e gerencial em detrimento de uma medida impositiva do governo FHC que, em sua maioria, somente trouxe prejuízos à administração pública?

Por outro lado, também é frágil a defesa de que o boicote ao cadastramento resolve o problema. Acho tarde demais, apesar de legítima, a alegação da luta pela autonomia da Universidade, como impedimento da implementação do ponto eletrônico pela Administração Central da UFMG. A resistência dos servidores pode mudar o panorama atual e reverter essa imposição? Dificilmente.

Parece-me que, nessa queda de braços entre a implantação do ponto e o seu boicote, o único foco é a relação de poder. O resultado é a intolerância, a inflexibilidade e, principalmente, a negação de uma discussão coletiva sobre uma política eficaz de Recursos Humanos focada no ser e não no simples fazer.

Então permanece a pergunta: o que faremos?

Sinceramente, não sei se neste momento existe muita saída em relação ao ponto eletrônico. O certo é que estamos perdendo mais uma vez, infelizmente, a oportunidade de construírmos juntos uma universidade de verdade, mais justa e igualitária, num ambiente de dissenso. Todo esse processo poderia ter sido muito menos sofrido e desgastante se a preocupação fundamental da Administração Central e das entidades representativas fosse a democratização das decisões e o diálogo.

A forma de implantação do ponto eletrônico na UFMG é equivocada por provocar, ou talvez aprofundar, fissuras no relacionamento entre os segmentos docente e técnico, chefias e servidores, que podem levar anos para serem corrigidas.

Enfim, sobre o ponto eletrônico resta apenas uma certeza: começou errado? Continua errado? Fatalmente acabará... Como diz o ditado popular: “pau que nasce torto até a fumaça é torta”. Esperamos que, após esta constatação, as cinzas que permanecerem sirvam para adubar um ambiente mais fecundo para as relações.

*Pedagogo na UFMG e associado à Atens