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Nº 1816 - Ano 39
15.4.2013

A história ‘entrelinhada’ na ficção

Em livro, pesquisadora investiga a historiografia na linguagem de Grande sertão: veredas

Ewerton Martins Ribeiro

Para ser grafada e comunicada, a história depende de um enredo. Com isso, também configura-se, inevitavelmente, como narrativa. Sob esse mote, o recém-lançado Dos ventos: história, crítica literária e linguagem em Grande sertão: veredas (Fino Traço Editora) investiga as possíveis relações entre os estatutos da história e da ficção na obra-prima de Guimarães Rosa.

O livro é resultado da dissertação que a historiadora Lorena Lopes defendeu no Programa de Pós-graduação em História (PPGHIS) no início de 2012. Na obra, a pesquisadora da UFMG faz uma leitura da história a partir da linguagem de Grande sertão: veredas.

“Há uma vertente já um tanto tradicional da crítica literária roseana – que remonta principalmente a Antonio Candido – que se esforça para pensar a história do Brasil a partir do Grande sertão. Eu busquei dimensionar e discutir de que forma esses dois estatutos, o histórico e o ficcional, são pensados por essa crítica, e como ela ‘negocia’ com eles”, diz a pesquisadora.

Lorena explica que o título do seu livro vem de uma passagem da obra de Guimarães Rosa, em que Riobaldo, o protagonista-narrador de Grande sertão: veredas, fala sobre certa “briga dos ventos”. “Eu queria uma metáfora que lembrasse os movimentos entre a história, a ficção, a linguagem e a crítica, movimentos que ora são contraditórios, ora correm em uma mesma direção; que, às vezes, se violentam. Mas foi também uma forma de fazer uma homenagem a Guimarães e a sua obra por meio dessa passagem, que é muito bonita”.

Em sua primeira parte, Dos ventos se debruça sobre as relações entre a história e a literatura ao longo do século 20 por meio da discussão da vasta literatura sobre o cenário historiográfico contemporâneo – dos Annales aos pós-modernos. No segundo momento, explora a fortuna crítica de Grande sertão: veredas, em especial no que diz respeito a como essa crítica leu a história pelo romance, operando com os estatutos da história e da literatura de modo a ressignificá-los.

Tempos misturados

O livro mostra que as relações entre história e ficção caracterizam-se pela força. “Teóricos têm aproximado o que é formulado pela história do que é produzido pela ficção, entendendo, sim, que a historiografia sempre depende de um enredo para ser comunicada. E isso é narrativa. Nesse sentido, eu percebi um poder da linguagem do enredo de Grande sertão: veredas de fazer o leitor pensar no movimento do tempo – algo que diz respeito tanto à história quanto à ficção”, analisa Lorena Lopes.

A pesquisadora explica que esse foi o mote para que sua pesquisa se voltasse para a linguagem. “Se por um lado ela é sempre um elemento muito investigado pela literatura, por outro é pouco explorada como possível operador para se pensar a questão histórica. E, se na obra de Guimarães Rosa existem referências históricas variadas, a linguagem consegue levar fundo a história na ficção”, afirma ela, lembrando que a obra-prima de Guimarães Rosa permite encontrar arcaísmos, estrangeirismos e neologismos em uma mesma sentença. “O que fica patente é que a história se dá por uma mistura de tempos”, acrescenta.

Outra câmera

Na parte final do livro, Lorena Lopes faz uma proposta autoral de crítica literária à obra-prima pesquisada, relacionando história e literatura e usando a linguagem como chave. “A obra de Lorena produz de forma original uma crítica literária de Grande sertão: veredas, procurando demonstrar que não há hierarquia entre história e literatura, e opondo-se fortemente aos autores que submetem a literatura à história”, diz o professor José Carlos Reis, do Departamento de História da UFMG. “Ela sustenta que a literatura oferece o mesmo que a história, mas por outra câmera; diz da realidade o que a historiografia não poderia ter dito”.

Em texto que compõe a orelha do livro, Reis enfatiza a importância e a validade da literatura – e, em específico, da linguagem de Guimarães Rosa – como objeto de estudo para a questão temporal: “A literatura não enrijece o tempo; não o automatiza, pois é mais livre. Pode imaginar tempos múltiplos, abordar a complexidade temporal. A literatura narra o inefável, o que é fugaz, ausência, vazio. Ela é criptografia, invenção de sentido. A escrita de Rosa supera as teorias histórico-sociológicas, pois é a linguagem que pode transformar o mundo, criando utopias; a sua linguagem é a própria travessia-utopia”.

Dos ventos veio a prelo como resultado de edital de financiamento do Departamento de História. A dissertação que lhe deu origem, orientada pela professora Heloisa Starling, foi recomendada à publicação tanto pela orientadora quanto pelos professores integrantes da banca, José Carlos Reis (UFMG) e Helena Bomeny (FGV-RJ). Lorena Lopes é doutoranda na UFMG e trabalha na mesma linha de pesquisa de seu mestrado, História e culturas políticas, sob orientação do professor José Antônio Dabdab Trabulsi.

Livro: Dos ventos: história, crítica literária e linguagem em Grande sertão: veredas
Autora: Lorena Lopes
Editora: Fino Traço
Preço: R$ 40