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Nº 1823 - Ano 39
3.6.2013

Entrevista / Clélio Campolina

“Temos a utopia da internacionalização solidária”

“Nosso lema é internacionalizar sem dominar e sem ser submetidos”, afirma o reitor Clélio Campolina, ao referir-se aos objetivos da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), que vai realizar seu próximo encontro na semana que vem, no campus Pampulha. Nesta entrevista ao BOLETIM, Campolina fala de expectativas em torno dos debates, dos projetos em andamento ou iminentes e anuncia que a UFMG foi encarregada de criar a primeira universidade de São Tomé e Príncipe.

Itamar Rigueira Jr.

Que fatores definem a importância desse evento?

Além da identidade comum, existe a vinculação com Portugal, a matriz colonizadora, e com os países africanos, principalmente, dos quais temos grande herança cultural, em várias dimensões, e com os quais temos dívida política histórica, relacionada à escravidão. Essa é uma oportunidade de ampliar relações com os países coirmãos de língua portuguesa. Por outro lado, não vamos ser ingênuos: a África é uma nova fronteira de ocupação. O continente tem 1 bilhão de pessoas, 30 milhões de quilômetros quadrados. O mundo está passando por profunda crise, vivemos uma reestruturação na economia mundial, e o Brasil tem a oportunidade de melhorar sua posição no cenário internacional. Nesse sentido, não podemos desconsiderar a importância geopolítica da África. E temos a utopia de uma internacionalização solidária. O nosso lema é internacionalizar sem dominar e sem ser submetido. Receber o encontro é a nossa contribuição e, ao mesmo tempo, o reconhecimento do papel da Universidade.

Há projetos que serão iniciados ou impulsionados durante o encontro em Belo Horizonte?

A UFMG ocupou a presidência da Associação por três anos, e nesse período preparamos um projeto acadêmico. Como organização de universidades, ela tem um papel obviamente vinculado à educação, pesquisa, formação de recursos humanos. Foi criada uma comissão que apresentou o Programa Internacional de Apoio à Pesquisa, Ensino e Extensão (Piapee), aprovado na Assembleia Geral dos Reitores, em Bragança, e negociamos com a Capes, que elaborou edital de apoio a esse programa. Definimos como prioridade os países africanos.

Estamos tentando viabilizar os projetos já desenhados, como essa parte de mobilidade do Piapee, e já há, no âmbito do mesmo programa, proposta de projetos estruturantes, na linha da criação de uma universidade em São Tomé e Príncipe e dos diversos doutorados, como o de Cabinda, em Angola. Entre os projetos aprovados pela Capes, vamos ajudar a reestruturar os cursos de engenharia civil e mecânica da província de Nampula, Norte de Moçambique, onde a Vale está instalando um grande complexo de mineração de carvão. Temos também um amplo programa na área de saúde, que inclui o combate à anemia falciforme em quatro países. O objetivo é fortalecer os laços, porque não adianta firmar acordos formais se não se puser a academia em contato. Veio aqui uma missão de Moçambique, ficou uma semana conhecendo os professores, as unidades.

Como surgiu a ideia da criação da universidade em São Tomé e Príncipe?

Recebemos do ministro da Educação [Aloizio Mercadante] e do presidente da Capes [Jorge Almeida Guimarães] a incumbência de montar uma universidade em São Tomé e Príncipe. É um país pequeno, e penso que precisamos começar pelo fundamental. Vamos sugerir um curso de Nutrição, para ajudar na busca de alternativas de alimentação, outro na área da saúde, talvez o de Enfermagem, e um curso de Engenharia Civil, já que é preciso construir casas e uma infraestrutura mínima. Vamos ouvi-los e depois mandar uma equipe a São Tomé para identificar as condições concretas.

Que papel pode ter a Aulp no processo de fortalecimento da comunidade dos países de língua portuguesa?

Educação, ciência e tecnologia são os motores de qualquer projeto de desenvolvimento de sociedade e de nação. Em segundo lugar, é fundamental cultivar nossos laços históricos e culturais. Por último, o mundo está sendo redesenhado, e nossa união fortalece geopoliticamente a posição do Brasil e a dos países africanos. O português é a terceira língua mais falada no mundo ocidental, atrás do inglês e do espanhol, mas ela não tem força geopolítica. Unidos, esses países ficam mais fortes.

O evento também será uma oportunidade de crítica e autocrítica?

O espaço da universidade é de manifestação livre, e seguramente serão feitas várias avaliações. Um exemplo: o termo lusofonia é muito refutado pelos africanos, porque uma coisa é língua portuguesa, outra coisa é falar em lusofonia, que se refere especificamente a Portugal. Haveria, então, uma conotação pejorativa ligada à colonização. Certamente surgirão críticas à presença de empresas brasileiras na África. Será uma ótima oportunidade para discutirmos qual deve ser a postura do Brasil em relação à presença das suas empresas em outros continentes.

E a associação das universidades com as empresas brasileiras pode ser muito positiva...

Sim. Estive com missão oficial do governo brasileiro à África e o primeiro-ministro de Moçambique, ao nos receber, notou que pela primeira vez o governo levava com ele a universidade, e ressaltou que isso muda as relações. Esse aspecto é importante também para balizar a postura da internacionalização brasileira. Não é fácil a nossa utopia da internacionalização solidária. Até porque estamos dentro de um mundo ferozmente competitivo. A guerra geopolítica é impressionante. Venho de uma tradição de economia política que enfatiza uma concepção marxista que não dava muita importância a questões de cultura, religião e geopolítica. Esse é um pecado que o marxismo cometeu.