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Nº 1829 - Ano 39
15.07.2013

opiniao

Hegel e o levante brasileiro

Alexandre Flores Alkimim*

Aos professores Joãosinho Beckenkamp e Alice Mara Serra
Cada estágio da história é um momento necessário da ideia do espírito do mundo (Georg Hegel)

Os protestos populares iniciados em junho e que se espalharam por todo o país não se pautaram por uma reivindicação específica, ou mesmo estiveram vinculados a uma só causa e a um único propósito. Isso apesar de toda essa mobilização ter começado, concretamente, com o Movimento Passe Livre (MPE), que não aceitava o reajuste de 20% no preço das passagens de ônibus e de trens metropolitanos na cidade de São Paulo.

O movimento ganhou corpo pelo Brasil afora, deflagrando toda uma série de protestos com reivindicações dos mais variados gostos e matizes: desde a melhoria dos serviços públicos, sobretudo os relacionados com a saúde e a educação, passando pela questão da mobilidade urbana, até desembocar nas críticas endereçadas à classe política, a exemplo do repúdio demonstrado pelos manifestantes em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 e aos gastos públicos (excessivos) para a realização da Copa das Confederações e, doravante, da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Enfim, uma situação que demonstra grande insatisfação, por parte da população, quanto ao modelo público-estatal adotado no país e ao papel de nossas instituições.

Como entender a atual insurgência popular à luz das contribuições e das reflexões propostas pelo hegelianismo? Muito simples. Basta compreender o que Hegel disse a respeito do que é o “espírito”, ou da expressão Geist, que em alemão significa “mente” e/ou “pensamento”. Portanto, para ele, não há diferença entre a consciência e o mundo, uma vez que tudo o que se apresenta ou o que se mostra, aparece somente para uma consciência e que ela só se revela para si mesma quando obtém conhecimento de si por meio dos fenômenos que lhe surgem. Em outras palavras, é a consciência manifestando-se nas coisas, e o mundo como um simples fenômeno que se materializa e se faz presente. Um mundo despertado pela consciência e, por outro lado, uma consciência que contempla a si própria como pura exterioridade das coisas que compõem o mundo.

Desta feita, Hegel compreendia a realidade como alguma coisa não material, derivada essencialmente do “espírito”. Ou seja, tudo o que existe é algo que só pode ser pensado ou significado. Mas essa coisa que é o “espírito humano”, para que ele possa se desenvolver e progredir até chegar aos estágios mais avançados da consciência – formas coletivas e mais abrangentes de pensamento –, precisa primeiro sair de si mesmo, alienar-se de sua individualidade, para depois se libertar e se conectar com outras mentes. É o “espírito” subjetivo que se torna objetivo. Uma mente que se externaliza em momentos históricos e em acontecimentos de relevância para a sociedade. E não é o que estamos vivendo na atualidade? Uma primavera do povo brasileiro? Os indivíduos que não se reconhecem nas condições exteriores (no âmbito da política, das instituições e das leis que regem a nação) que lhes são oferecidas, já que não expressam a vontade geral, ou como no dizer de Hegel, tais condições não são manifestações do “espírito objetivo” que visa se autoconhecer.

Nesse sentido, a passagem da ­consciência do plano subjetivo para o objetivo, e deste para o último estágio, em que a mente toma total consciência de si e se identifica com toda e qualquer realidade (a “totalidade do espírito” ou o “espírito absoluto”), é momento, portanto, comandado por uma só lei: a da dialética. Hegel definiu esse método filosófico em três fases: tese, antítese e síntese. A tese seria uma afirmação de algo; a antítese, a negação dessa afirmação; e a síntese, a conciliação desses dois aspectos.

Só para ilustrar com o caso brasileiro: a tese pode ser representada pelo estado de coisas e o contexto a que estamos submetidos (de corrupção, de completo descaso nas áreas de saúde e de educação, do transporte público precário e sucateado, entre outros fatores); a antítese, pelo descontentamento generalizado e a mobilização do povo nas ruas clamando e exigindo mudanças em nossa conjuntura político-econômica; e a síntese que ninguém sabe, ao certo, se é pela via da reforma política e/ou se os governos destinarão atenção especial para os principais problemas que afligem os cidadãos, bem como se o Estado brasileiro tomará para si as rédeas desse processo. Ou se nada disso irá acontecer, se são outros os prognósticos e o que fazer diante desse quadro social.

Só nos resta agora aguardar, para ver no que vai dar tudo isso. Com efeito, no que tange ao método dialético proposto por Hegel, essas manifestações nada mais são do que momentos da realização do espírito que toma consciência de si, exteriorizando-se e objetivando-se. Oxalá, que a insurreição popular continue e que a “mente” e o “espírito” dos brasileiros prossigam nessa caminhada, movendo-se na direção de um objetivo que é o de entender-se a si mesmo.

*Pedagogo, graduando em filosofia e técnico em assuntos educacionais da Pró-reitoria de Graduação da UFMG