Busca no site da UFMG

Nº 1863 - Ano 40
12.05.2014

Em família

Núcleo de pesquisa e extensão do Instituto de Ciências Agrárias enfrenta o desafio de integrar a Universidade à realidade agrícola do Norte de Minas

Da redação

A agricultura familiar é responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos no país, envolve 75% da população rural brasileira e tem criado muitos empregos para recém-formados nas ciências agrárias. Apesar disso, as universidades não conseguem formar profissionais na quantidade e com o perfil requerido para trabalhar com essa atividade, avalia a professora Flávia Maria Galizoni, do Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG.

É nesse contexto que o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar (Núcleo PPJ) enfrenta o desafio de integrar a Universidade à realidade rural e formar profissionais dedicados à agricultura familiar, que saibam lidar tanto com pesquisa quanto com extensão.

Criado em 1998 e desde 2007 sob a responsabilidade da UFMG, o Núcleo PPJ é uma grande rede de pesquisa e suporte à agricultura familiar coordenada pelos professores Flávia Galizoni e Eduardo Magalhães Ribeiro, com a participação dos também professores Hélder dos Anjos Augusto e Ana Paula Gomes de Melo, além de 20 estudantes e profissionais-bolsistas, todos do ICA/UFMG. Conta ainda com a colaboração de professores e estudantes das universidades federais de Lavras e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, e dos institutos federais do Norte, Sul e Sudeste de Minas Gerais.

Essa equipe desenvolve três grandes programas por meio dos quais são realizadas oficinas temáticas conduzidas por agricultores, em que alunos de graduação e de pós-graduação tomam contato com a realidade do associativismo e de temas como cadeia produtiva do pequi, técnicas de produção e convívio com o semiárido, gestão de programas de conservação ambiental, comercialização da agricultura familiar e cooperativismo. “Essas práticas abrem horizontes, corrigem e apoiam a formação dos estudantes”, afirma Flávia Galizoni.

Um dos princípios fundamentais do trabalho do Núcleo é a chamada docência camponesa, conceito desenvolvido pelo professor Eduardo Magalhães Ribeiro e que perpassa todas as suas atividades. “Partimos do princípio de que não é a universidade que leva uma ajuda ao produtor rural. A instituição pode receber o conhecimento tradicional e potencializá-lo com técnicas e ferramentas científicas”, afirma Ribeiro. Por isso, o Núcleo mantém extenso conjunto de parceiros que não se furtam a exercer seu papel de protagonistas. “Elaboram projetos em conjunto, colaboram para adaptar as atividades ao lugar, oferecem condições materiais para executar pesquisa e extensão, contribuem para a formação cidadã dos estudantes, apropriam-se e divulgam os resultados de pesquisa e, principalmente, permanecem no lugar dando continuidade às atividades”, exemplifica Eduardo Ribeiro.

Entre esses parceiros estão o Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV) e o Instituto de Trabalhadores e Trabalhadoras do Vale do Jequitinhonha (Itavale), no Vale do Jequitinhonha; a Cáritas de Januária e a Associação dos Usuários da Sub-bacia do Rio dos Cochos (Assusbac), no Vale do São Francisco. Também estão envolvidos a Federação dos Trabalhadores da Agricultura, sindicatos de trabalhadores rurais, secretarias municipais de agricultura e agências de desenvolvimento rural.

Desde o seu início, as atividades do Núcleo PPJ são financiadas por agências públicas, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). Este ano, passaram a ser apoiadas pelos ministérios de Desenvolvimento Agrário, de Desenvolvimento Social e da Educação, além da União Europeia.


Pela volta da água

No início dos anos 1990, uma empresa de reflorestamento desmatou a vegetação nativa e deixou descoberta a cabeceira do rio dos Cochos, no Alto-Médio São Francisco, no Norte de Minas Gerais. Levada pela chuva, a terra sem vegetação assoreou duas das três nascentes que abasteciam o rio, que passou a secar nos períodos de estiagem, causando problemas de abastecimento para as cerca de 300 famílias que viviam às suas margens.

Vendo a água minguar, as comunidades se uniram em uma associação, em busca de alternativas para revitalizar o curso d’água, ao mesmo tempo em que precisaram aprender a produzir enquanto conservavam os poucos recursos naturais disponíveis.

Desde 2002, a equipe do Núcleo PPJ acompanha os esforços desses agricultores para recuperação do rio dos Cochos. Mais recentemente, essa experiência foi transformada em programa de pesquisa e extensão concebido em parceria com a associação dos usuários do rio (Assusbac). O programa busca sistematizar as experiências de produção conservacionista para transformar seus resultados em ações educativas. A pesquisa investiga as técnicas de convivência com o semiárido, os resultados dos projetos públicos e os avanços na conservação de recursos. Com base nas informações da pesquisa, são organizadas visitas de estudantes e profissionais ao rio dos Cochos.

Até o final de 2014 cerca de mil estudantes de graduação de instituições de ensino no Norte de Minas visitarão o rio dos Cochos. Os visitantes participam de oficinas conduzidas por agricultores e agricultoras que apresentam suas experiências em assuntos como conservação de mata ciliar, produção de alimentos com técnicas tradicionais de baixo impacto, comercialização, captação, uso e conservação de água da chuva.


Territórios da cidadania

Um projeto de pesquisa e extensão liderado pelo Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG abrange oito das 12 áreas rurais de Minas Gerais definidos pelo programa Territórios da Cidadania, instituído no início dos anos 2000 pelo governo brasileiro. Vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Programa reúne grupos de municípios que possuem afinidades históricas, sociais e econômicas. Cada território é gerido por comissões com participação igualitária do setor público e da sociedade civil.

Logo no início do programa, organizações de agricultores do Vale do Jequitinhonha convidaram o Núcleo para pesquisar cadeias produtivas, canais de comercialização e segurança alimentar. Esses estudos deram origem a projetos de extensão nas áreas de formação e apoio às escolas voltadas para a agricultura familiar e às feiras livres. Entre 2010 e 2013, o Núcleo PPJ conduziu projeto experimental de interação universidade e território, gerando crescimento do volume de atividades: este ano, um novo programa de pesquisa e extensão liderado pelo Núcleo passou a abranger oito dos territórios de Minas Gerais.

Coordenado pelo professor Eduardo Magalhães Ribeiro, o programa compreende os territórios da Serra do Brigadeiro, Alto Suaçuí, Rio Doce, São Mateus, Mucuri, Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha e envolve pesquisa sobre gestão, produção e comercialização, assessorando os territórios em temas como desenvolvimento rural, programas públicos e extensão rural.


Acervo Núcleo PPJ
Oficina no Sítio de Saluzinho, que reproduz pequena unidade familiar de produção
Oficina no Sítio de Saluzinho, que reproduz pequena unidade familiar de produção

O legado de Salustiano

Ambiente com casa, pomar, horta, lavoura e instalações para recepção de visitantes, o Sítio de Saluzinho reproduz, em área de dois hectares no campus Montes Claros, pequena unidade familiar de produção. O local é aberto a visitas monitoradas e oferece oficinas sobre técnicas agrícolas, alimentação saudável e conservação de recursos naturais.

Com apoio do CNPq e da Fapemig, o projeto promove relações entre a Universidade, a população urbana, crianças do ensino fundamental e produtores de Montes Claros que praticam agricultura urbana e conservam conhecimentos tradicionais sobre solo, plantas, beneficiamento de produtos agrícolas e preparo de alimentos.

A denominação dada ao sítio é uma homenagem a Salustiano Gomes Ferreira, agricultor de Varzelândia que na década de 1960 resistiu às tomadas de terra e lutou pelos direitos dos camponeses do Norte de Minas Gerais.