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Nº 1867 - Ano 40
09.06.2014

Gol contra o abuso

Projeto de extensão presta atendimento psicológico a crianças e adolescentes vítimas de exploração e violência sexual

*William Campos Viegas

As preocupações em torno da Copa do Mundo, que começa esta semana, não se restringem às obras nos estádios e cidades que receberão os jogos, às possíveis manifestações e às disputas dentro de campo. Órgãos das três esferas do poder, em conjunto com a sociedade civil e organizações não governamentais, articulam campanhas para conscientizar e coibir crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes.

“Aos poucos a população está acordando para essa questão. Há 33 anos trabalho com clínica infantil e só depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, cresceram as denúncias”, explica a professora Cassandra Pereira França, do Departamento de Psicologia da Fafich e coordenadora do projeto de extensão Cavas – Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual.

Segundo o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, das mais de 275 mil denúncias de violações dos direitos de crianças e adolescentes registradas no período de 2003 a 2011, nas 12 cidades-sede da Copa, 10% são de exploração e abuso sexual. No ano passado, em todo o país, foram 124 mil denúncias de violações, mais de 32 mil de abuso e exploração infantojuvenil.

Esse tipo de estatística norteia, desde 2005, o trabalho da equipe do Cavas, que presta atendimento psicológico a crianças e adolescentes de Belo Horizonte que sofreram abusos. “Surgiu com o aumento no número de ocorrências recebidas na clínica do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), vinculada à Fafich. As vítimas chegavam com traumas graves, daí montamos uma equipe para atender casos de abuso sexual”, conta Cassandra Pereira.

O Cavas atende, mensalmente, até 50 pacientes encaminhados pelo SPA, por órgãos ligados à rede de proteção e assistência, abrigos e por ex-alunos que trabalham em juizados da infância como psicólogos judiciais. “Só recebemos casos que já foram cuidados pela Justiça, e o abusador foi afastado de casa. É uma medida protetiva.Não posso expor meus alunos ao risco de lidar com investigações acerca do abuso. Há riscos dos acusados descobrirem qual estudante está atendendo o filho e ameaçá-lo”, relata a professora.

Perfil

O projeto conta hoje com 17 técnicos de Psicologia, entre bolsistas de extensão, especialistas, mestrandos e doutorandos, responsáveis por cuidar de crianças que passaram pelas mais diversas situações. “São casos de estupros comprovados por meio de relatório médico, além de crianças que sofreram abuso, foram mutiladas ou queimadas”, exemplifica Cassandra. Dados levantados pelo projeto revelam que a maioria dos pacientes são vítimas do pai, seguido do padrasto e do avô. Os abusos cometidos por mulheres são mais raros. “São tias, madrastas, babás ou vizinhas que, muitas vezes, estão no lugar da mãe”, explica a coordenadora.

Atuando no projeto desde 2011, Rafaela Garcia, ex-aluna de Psicologia, conta que o Cavas influenciou tanto sua vida acadêmica que ainda hoje é voluntária. “É uma experiência clínica que vai além do consultório”, testemunha. Ela destaca a importância da gratuidade. “Esse tipo de atendimento não existe em outro lugar, pois oferece um serviço de qualidade e de atenção exclusiva às vítimas. Se não fosse o projeto, dificilmente elas poderiam arcar com tratamento psicológico”, afirma.

A falta de recursos é um dos fatores que dificultam o tratamento que, em média, dura de dois a três anos. “O ideal é que as crianças sejam atendidas de duas a três vezes na semana, mas muitas famílias não têm dinheiro para pagar a passagem de ônibus”, comenta Cassandra.

O Cavas também promove cursos de capacitação para universitários, psicólogos, assistentes sociais e profissionais de outras áreas da saúde.

*Bolsista da Assessoria de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão