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Nº 1869 - Ano 40
28.07.2014

Encarte

Droga adulterada

Cocaína vendida em Minas apresenta elevado grau de impureza, conclui pesquisa do Departamento de Química

Luana Macieira

Amostras de cocaína vendidas em Minas Gerais e analisadas por pesquisadores da UFMG chegaram a apresentar até 40% de cafeína, substância de ação estimulante, e elevado teor de lidocaína, com função anestésica – características apreciadas pelos usuários do alcaloide. Os traficantes adicionam, além dos adulterantes – que reproduzem sensações –, diluentes, como sulfato e carbonato de cálcio e cloreto e bicarbonato de sódio, que impactam favoravelmente os lucros do tráfico, pois fazem a droga ganhar em escala e rendimento.

Essas são algumas das conclusões que se destacam no trabalho de investigação da qualidade da cocaína vendida no estado, desenvolvido pelo Departamento de Química da UFMG. A pesquisa é fruto de parceria com o Instituto de Criminalística de Minas Gerais (IC-MG), que forneceu as amostras para o estudo. O trabalho resultou na tese de doutorado da pesquisadora Elisângela Jaqueline Magalhães e no artigo Evaluation of the composition of street cocaine seized in two regions of Brazil, publicado neste ano na revista Science & Justice.

Orientadora do trabalho, a professora Clésia Nascentes, do Departamento de Química da UFMG, explica que a análise das amostras foi feita em três etapas, de forma a se obter o máximo de informação a respeito da cocaína comercializada em Minas. Para a determinação do teor de cocaína pura e de alguns adulterantes usados na sua preparação, foi utilizado um equipamento capaz de separar e quantificar os constituintes orgânicos presentes nas amostras.

Em seguida, a pesquisa determinou alguns elementos na composição do produto, como cálcio, magnésio, potássio, ferro e sódio, por meio de um aparelho analítico – o espectrômetro de emissão atômica. Com a participação do professor Rodinei Augusti, essa etapa permitiu avaliar a quantidade de diluentes e contaminantes da cocaína.

O terceiro e último procedimento, realizado no Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), com a colaboração da pesquisadora Lúcia Auler, determinou a presença de ânions, como cloreto, sulfato e nitrato, nas amostras. “Depois dessas três etapas, somos capazes de conhecer melhor a composição da droga de rua, sabendo o que, de fato, ela contém”, analisa Clésia Nascentes.

Variação

Outra conclusão do estudo diz respeito à disparidade dos teores de cocaína encontrados nas amostras. “A pureza variou de 6,5% a 75%. Comparamos a droga comercializada em Minas Gerais com a do Amazonas e chegamos à conclusão de que a droga vendida aqui é muito mais diluída. Acredita-se que isso se deve à distância entre Minas e as fronteiras com os países produtores da droga, uma vez que a cocaína pura pode passar por muitos traficantes e processos até chegar aqui”, analisa Clésia Nascentes.

Para a professora, pesquisas do gênero são importantes para que as polícias Federal e Civil reúnam o maior número possível de informações para reconhecer o caminho percorrido pela cocaína desde a fronteira com os países produtores até os centros consumidores das regiões Sudeste e Sul do Brasil, para subsidiar a criação de políticas públicas que ajudem na redução das mortes provocadas por overdoses.

“Um estudo como esse traz informações importantes sobre a composição química de uma droga. O usuário da cocaína, quando em contato com outras substâncias desconhecidas, pode ter reações inesperadas”, diz Clésia Nascentes, acrescentando que a variação de pureza da droga comercializada no país também traz outros riscos. “Como a composição é extremamente variada, a pessoa, caso compre de fornecedores diferentes, às vezes, é surpreendida por uma cocaína mais pura, o que pode ocasionar um quadro de overdose, pois ela não estava acostumada com aquela alta concentração”, afirma.

Parceria

O estudo foi viabilizado graças a uma parceria de mais de seis anos com o Instituto de Criminalística de Minas Gerais. “No início, ministramos cursos de aperfeiçoamento para peritos da Polícia Civil. A partir daí, a parceria se fortaleceu, resultando nas análises das amostras. Vale destacar que o preparo e a dissolução das amostras foram realizados nos laboratórios do Instituto. As amostras sólidas eram convertidas em soluções com baixas concentrações e só então trazidas aos laboratórios da UFMG e CDTN para análise”, argumenta.

Essa modalidade de pesquisa, inédita em Minas Gerais, já é regularmente feita pela Polícia Federal no projeto Perfil Químico das Drogas (Pequi), que analisa amostras apreendidas em todo o país. A pesquisadora ressalta que os peritos da Polícia Civil pretendem estender a parceria para realizar um processo semelhante com o crack. Além disso, está sendo realizado outro trabalho que vai possibilitar análises de reconhecimento de documentos falsificados.


Artigo: Evaluation of the composition of street cocaine seized in two regions of Brazil
Autores: Elisângela Jaqueline Magalhães, Clésia Nascentes, Leandro Pereira, Mário Guedes, Rogério A. Lordeiro, Lúcia M.L.A. Auler, Rodinei Augusti e Maria Eliana de Queiroz.
Publicado na revista Science & Justice e disponível no link http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1355030613000555