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Nº 1870 - Ano 40
04.08.2014

opiniao

Paisagens coloniais e direito: conexões e diálogos

Vagner Luciano de Andrade*

Várias cidades mineiras preservam importante patrimônio histórico-cultural, o que torna possível o acesso aos conteúdos existenciais, ideológicos e socioeconômicos do Brasil Colônia. Nesse sentido, visitar cidades como Catas Altas, Conceição do Mato Dentro, Congonhas, Diamantina, Mariana, Ouro Preto, Paracatu, Sabará, São João del-Rey, Serro e Tiradentes permite que diferentes públicos se apropriem de abordagens que remetem ao longo período em que o Brasil esteve sob a égide da Coroa Portuguesa.

No caso do Direito, apesar de suas origens conceituais encontrarem-se conectadas à Roma Antiga, foi a matriz judicial portuguesa que orientou a formatação e consolidação da legislação brasileira em seus primórdios, sendo possível observar diferentes permanências e rupturas ao longo da história nacional. Um bom exemplo paira sobre a questão do Direito Tributário ao se analisar historicamente os diferentes ciclos econômicos coloniais, nos quais a intenção de se obter lucro em terras brasileiras se maximizava com a geração de excessos portugueses em termos de tributação e taxação e a eclosão consecutiva de várias revoltas na Colônia.

Diferentes ciclos econômicos se alternaram no Brasil Colônia: o pau-brasil, a cana-de-açúcar, a mineração, a pecuária e as drogas do sertão. Inicialmente, as terras descobertas não chamaram a atenção de Portugal, ainda focado no monopólio marítimo do comércio de especiarias. Após 1530, a terra recém-descoberta se tornou a “galinha dos ovos de ouro”. Antes da busca incessante por ouro, prata e pedras preciosas, vários ciclos se propagaram visando povoar a Colônia e transformá-la em alternativa econômica. Os primeiros ciclos se iniciaram no litoral e foram se infiltrando pelo interior das chamadas capitanias hereditárias, mediando impactos ambientais e sociais nas paisagens que se incorporavam ao ávido projeto de obtenção de lucros.

A escravidão passou a representar uma possibilidade de facilitar a expansão e consolidação dos negócios lucrativos que aqui se instalavam. Com a descoberta de ouro nas Minas Gerais, a Coroa Portuguesa tornou-se implacável na exploração econômica da Colônia, impondo meios severos de controle, alta tributação e taxação. Datam da época os registros e casas de fundição, dos quais, além do quinto, eram cobrados impostos sobre circulação de pessoas, objetos e mercadorias. Isso gerou revoltas, como a Guerra dos Emboabas, em 1709, a Sedição de Vila Rica, em 1720, e posteriormente o movimento da Inconfidência Mineira.

Os diferentes conflitos e rebeliões em todo o território brasileiro se manifestavam contra a forma desumana com que a metrópole tratava a terra e o povo colonizado. Isso ocasionou rupturas significativas que se manifestaram em processos sociais, políticos e econômicos. Algumas cidades mineiras guardam monumentos, museus e igrejas daqueles tempos. São chamadas de coloniais, e não apenas de históricas, pois toda cidade e lugar possuem uma história, fruto de seu tempo e espaço, materializando hoje oportunidades de visitação a expressivos períodos pretéritos. Essa viagem pedagógica por diferentes espacialidades e temporalidades permite conexões significativas na compreensão dos processos que moldaram os passados mineiro e brasileiro.

O complexo e expressivo barroco mineiro é a manifestação de uma época marcada por conflitos existenciais, políticos e socioeconômicos, com a Igreja representando hegemonicamente os interesses do Estado absolutista português e exortando o povo à obediência, à aceitação, à passividade, à reflexão, à quietude diante das aberrações vistas e/ou vividas.

O rei, representante de Deus na Terra, podia tudo: matar, pilhar, roubar, extorquir, oprimir, manipular, constranger. Os testemunhos do passado são o patrimônio e a memória de um povo que lutou para vencer a opressão e a exploração mercantilista europeia, e hoje tenta fazer sua própria história no mundo globalizado, neoliberal e capitalista. Pensar no passado colonial por meio de suas paisagens remanescentes permite entender avanços e retrocessos no que se refere a diferentes facetas do direito, em especial o tributário, o ambiental e os direitos humanos.

Hoje é possível averiguar os grandes avanços sociais em termos de tributação e direitos humanos, resultantes das inúmeras rupturas nascidas dos movimentos legítimos da época. Várias permanências e rupturas se alternam no cenário brasileiro, construindo e reconstruindo demandas sociais efetivas. Ainda se pode avançar, pois nem sempre a tributação como elemento mantenedor do Poder Público se transforma em políticas públicas legítimas. O acesso a esses receptáculos da memória permite evoluções e ajustes para atender às premissas do direito de ser/estar no mundo e contribui gradativamente para elevação da qualidade de vida dos seres humanos.

Percebe-se que as sociedades evoluíram muito, no Brasil e no mundo, mas ainda enfrentam grandes dilemas e precisam percorrer um longo caminho em direção à construção da cidadania e da democracia. Que o futuro seja moldado pelo direito à dignidade, à ecologia, à justiça social e por outras dimensões indispensáveis à manutenção da vida em sociedade.

*Agente mobilizador da Rede Ação Ambiental com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo