Busca no site da UFMG

Nº 1871 - Ano 40
11.08.2014

Cultura e contracepção

Relação entre pertencimento étnico no Quênia e uso de métodos modernos para se evitar filhos é tema de dissertação na Face

Matheus Espíndola

A proporção de quenianas casadas que declararam utilizar métodos modernos de contracepção – preservativos masculino e feminino, injeção contraceptiva, dispositivo intrauterino (DIU), pílula contraceptiva e esterilização feminina e masculina – saltou de 17,9% para 38,9% em apenas duas décadas. Essa e outras informações, obtidas na pesquisa Kenya Demographicand Health Survey (KDHS), serviram de base para a dissertação de mestrado Diferencial de atitude frente ao uso de contracepção moderna entre as etnias quenianas, 1989-2008, defendida por Bárbara Avelar Gontijo, no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG.

O objetivo da pesquisa foi verificar como aspectos culturais das 11 maiores etnias da população do Quênia, na África Oriental, influenciaram a mudança nos padrões de comportamento contraceptivo no país. “As populações africanas se identificam mais com a etnia do que com a nacionalidade. Isso porque a divisão em tribos é muito mais antiga, além de não corresponder à geográfica”, afirma Bárbara, acrescentando que algumas etnias têm posicionamento expresso a favor da fecundidade.

A hipótese inicial da autora era de que a correlação entre etnia e uso de anticoncepcionais perderia força diante do avanço das políticas de planejamento familiar e de acesso à informação. “Constatei que isso ocorre de maneira muito intensa e também que há muita disparidade na significância do pertencimento entre as etnias”, comenta a autora.

O percentual de mulheres com atitude positiva diante da contracepção moderna na etnia Mijikenda/Swahili, por exemplo, que era de pouco mais de 27% no início do período estudado (1989), chegou a 47,3% em 2008. As mulheres pertencentes aos grupos Kikuyu, Luhya, Kalenjin, Luo, Kamba, Kisii e Meru/Embu também registraram o mesmo padrão de comportamento em relação aos métodos modernos de contracepção.

“No passado, escassas políticas de planejamento familiar, além da cultura pró-natalista atrelada ao otimismo econômico, constituíam ambiente desfavorável para a assimilação de métodos contraceptivos”, conta Bárbara. Esse quadro, segundo a pesquisadora, vem sendo alterado por fatores como aumento da escolaridade e acesso à informação; redução da poliginia (casamento de um homem com várias mulheres); e pressão de organismos internacionais a favor do controle.

Amostras representativas

Bárbara Gontijo recorreu a cinco edições da pesquisa (KDHS), todas representativas da população queniana, com as seguintes amostras de mulheres casadas:

grafico

Exceção

Na contramão dessa tendência figura a etnia Somali. Em 1989, ela já apresentava a menor taxa de utilização dos métodos modernos de contracepção: menos de 7%. Em 2008, esse índice não chegava a 3%. “Essa etnia nega o uso de métodos de contracepção de qualquer natureza, especialmente os modernos. Manter elevadas as taxas de fecundidade é primordial para aquele povo”, diz a autora, para quem a realidade específica dessa população deve ser o foco de trabalhos futuros.

Norteada pelas conclusões surgidas durante sua pesquisa, Bárbara sugere que as discussões sobre os diferenciais étnicos nas questões demográficas, como mortalidade, morbidade, migração e constituição familiar, sejam aprofundadas, assim como a abordagem das questões culturais no ambiente demográfico, seja no Brasil ou no exterior. “A cultura não é muito considerada quando se vai desenvolver uma política demográfica. Em se tratando de política de contracepção, seria mais eficaz recorrer ao método preferido e mais acessível para as mulheres, de acordo com sua cultura e com o que julgam aceitável”, analisa.

Dissertação: Diferencial de atitude frente ao uso de contracepção moderna entre as etnias quenianas, 1989 – 2008
Autora: Bárbara Avelar Gontijo
Data da defesa: 10/06/2014
Orientador: Bernardo Lanza Queiroz
Co-orientador: Dimitri Fazito de Almeida Rezende
Programa: Pós-graduação em Demografia do Cedeplar/Face