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Nº 1872 - Ano 40
18.08.2014

Radar gay

Em livro, jornalista investiga relações homossexuais que se estabelecem em ambientes de bate-papo na internet

Ewerton Martins Ribeiro

Na internet, as salas de bate-papo gay são uma projeção daquilo que as boates especializadas representam na vida real: por um lado, potencializam o encontro entre pessoas que comungam dos mesmos interesses sexuais, afetivos e culturais; em contrapartida, colaboram para a manutenção de uma histórica segregação de seu público em relação à sociedade em geral. “Os bate-papos não deixam de ser um gueto, sobretudo para os gays. São como os bares e boates que alienam igualmente seus frequentadores do mundo exterior”, afirma o jornalista Marcos Fernandes.

Ele publicou recentemente o livro-reportagem Radares gays: procurando o quê?, obra em que investiga as particularidades das relações gays que se dão em chats na internet. O livro é produto de trabalho de conclusão de curso, defendido recentemente no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), sob a orientação do professor Bruno Souza Leal. “Meu objetivo foi confrontar o imaginário que existe sobre os chats com as histórias daqueles que de fato estão lá. Na escrita do livro, reuni um grupo de participantes para contar suas histórias e, simultaneamente, falar sobre o ato de narrar. Transformei isso numa coletânea de casos e perfis”, detalha. O autor assume, na obra, o papel de um narrador autodiegético: em primeira pessoa, ele torna-se o personagem principal da história para, por meio de suas interações com os demais usuários, delinear as particularidades do ambiente. O livro enceta também a discussão sobre a própria produção jornalística, suas limitações e potencialidades – para além das reflexões que já faz sobre sexo, amor, homossexualidade, preconceitos, “armário”.

“O jornalismo não é muito diferente de uma sala de bate-papo: as coisas serão postas da forma como o usuário decide colocá-las. Haverá a seleção e edição de fatos, lembranças, conversas, tudo na intenção de convencer. De construir um mundo e oferecê-lo ao outro”, reflete o autor. Para produzir o livro, Marcos se imiscuiu no universo do Bate-Papo UOL, corpus de sua pesquisa. “Quis potencializar um novo olhar para esse espaço social tão estigmatizado”, afirma.

Estigmas e perigos

Um dos estigmas relacionados a esses ambientes na internet é o da violência. Em seu livro, Marcos Fernandes buscou justamente trabalhar à margem de juízos de valor. O autor conta que, pouco antes de terminar seu livro, leu a notícia de um jovem que, após marcar um encontro em um aplicativo online para contato entre gays, foi encontrado morto. “Os comentários da notícia traziam exatamente a discussão que pretendi evitar, por ser preconceituosa. Os comentaristas pareciam ter a solução perfeita para o crime que nem mesmo a polícia havia ainda desvendado: para eles, o jovem fora morto porque, por decisão própria, se arriscara. É aquela mesma lógica simplória e machista de que uma mulher de saia curta ‘procura’ sofrer qualquer tipo de abuso, físico ou verbal”, compara.

Marcos Fernandes vê um viés moralista nesse tipo de interpretação. “Perigos fazem parte da história do mundo, não somente dos chats – tampouco dos chats gays, especificamente. No caso destes, as reações vêm associadas a uma homofobia condenatória, pronta para apontar que a culpa não é do algoz, mas, sim, da vítima, que se decidiu por uma vida que vai contra princípios morais, éticos ou religiosos”, critica.

Em relação às possibilidades de realização afetiva, a investigação do jornalista conclui que, não raro, a construção mítica do ambiente online não resiste à dureza da realidade offline. “Nos chats, tudo é tentativa de conseguir algo: uma conversa, um encontro, uma transa, um namoro. Para isso, coisas podem ser ditas de uma forma que não reproduzam os fatos de maneira exata. Nesse sentido, o pior castigo para um usuário é um encontro que promete, na teoria, muita coisa (de um ótimo sexo a um amor durável), mas que na prática acaba não cumprindo com o esperado”, afirma.

Radares gays: procurando o quê? pode ser lido gratuitamente na internet. O livro está disponível no Issuu: www.issuu.com/marcos-fernandes.