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Nº 1879 - Ano 41
06.10.2014
Itamar Rigueira Jr.
O estudo das ideologias abre muitas possibilidades – ainda pouco exploradas – de aproximação e esclarecimento de processos e fenômenos contemporâneos. Essa constatação guiou o diálogo entre a geografia e campos como história, ciência política e filosofia para a produção do livro Geografias e ideologias – submeter e qualificar, organizado pelas professoras Rogata Soares Del Gaudio e Doralice Barros Pereira, da pós-graduação em Geografia do IGC.
“Alguns processos relacionados à (re)produção do espaço podem ser melhor evidenciados posto que a compreensão das ideologias nos auxilia a identificar interesses de diferentes agentes em seus discursos e práticas”, afirma Rogata. “As ideologias não acabaram, aparecem em outras roupagens para apoiar, com maior eficácia, as pretensões e visões de mundo dos segmentos sociais”, acrescenta. As implicações entre geografias, ideologias e a questão ambiental dominam parte da obra, que se dedica também às interseções desses temas com a educação e os nacionalismos.
O conceito de interpelação, do filósofo francês Michel Pêcheux, que está relacionado à evocação dos sujeitos a se posicionarem quanto a certas determinações, permeia, segundo Doralice Pereira, a produção reunida no livro. Exemplos são palavras de ordem como reciclagem e sustentabilidade. “Todo mundo defende a reciclagem, pois essa é uma forma de não se mexer na estrutura de consumo”, diz Rogata Del Gaudio.
O professor Eliano Freitas, do Colégio Técnico da UFMG (Coltec), analisa precisamente, em um dos capítulos da obra, a “ideologia do desenvolvimento sustentável”, sustentada, segundo seu texto, por um “discurso ecológico competente, que quer ensinar a todos como deve ser a relação entre sociedade e natureza e entre os homens”.
No capítulo assinado pelas organizadoras, a discussão está centrada nos desdobramentos da relação sociedade-natureza, levando em conta que certos elementos e aspectos naturais têm ganhado, nas últimas décadas, status de raridade. “Os homens ressignificam a natureza e seus elementos, transformando-os em valor de troca. No ambiente urbano, um apartamento com ‘vista definitiva’ tem preço mais elevado, e agregar esse diferencial sugere maior qualidade de vida. Ademais, essa estratégia tende a reunir, em um mesmo endereço, aqueles privilegiados que podem pagar por tais atributos”, comenta Doralice Pereira.
A propósito, Rogata Del Gaudio lembra os debates do momento sobre a precificação da água. “A água está relacionada à vida, e não pode haver discussão sobre se ela é ou não mercadoria. Não é! Nós estamos esquecendo que somos também natureza, e quando nos vemos fora da natureza, é possível transformá-la em mercadoria.”
Ainda na parte do livro que trata de “Ideologias, ambiente(s), identidade(s)”, Fernanda Testa Monteiro e Ana Carolina Euclydes jogam luz sobre discursos que permeiam a ideia de proteção ambiental em unidades de conservação no Brasil. “Elas demonstram como a conformação de parques pode negar modos de vida precedentes de comunidades tradicionais e, sob a bandeira da preservação, estabelecer reservas para mineração”, ilustra Rogata.
Historiadores, cientistas sociais e políticos, sobretudo, concentram suas reflexões no papel das ideologias na construção do Estado-nação moderno. Anne-Marie Thièsse, diretora do Centro Nacional de Pesquisas Científicas, em Paris, aponta os mecanismos de interpelação que nortearam a construção da nação francesa, erguida sobre a exaltação de heróis, uma língua única, paisagens típicas e monumentos.
Vânia Rubia Farias Vlach, doutora em geopolítica pela Universidade de Paris VIII, relaciona ensino de geografia e identidade nacional. “Ensinar rios e cidades importantes, supervalorizar a natureza exuberante e sua gente pacífica, no caso do Brasil, são recursos necessários para despertar o orgulho de um povo e criar coesão, inclusive territorial, ainda que se anulem diferenças internas, consolidando discursivamente características comuns a todas as classes sociais”, afirma Rogata.