Busca no site da UFMG

Nº 1891 - Ano 41
09.02.2015

y

Made in Brazil

Estudo realizado com mais de 15 mil voluntários, sendo três mil na UFMG, estabelece indicadores nacionais de saúde da população

Ana Rita Araújo

Importante indicador de aterosclerose, a espessura da ­camada média-intimal da artéria carótida não é a mesma em brasileiros e em norte-americanos. Apesar disso, por falta de medidas específicas, o Brasil adota dados importados para definição de valores normal e alterado neste e em praticamente todos os exames clínicos e laboratoriais. Tal prática está prestes a mudar graças ao pioneiro Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa), que leva em conta o perfil da população brasileira, com sua diversidade étnica e cultural.

Indicadores nacionais estão sendo obtidos com base no acompanhamento de 15.105 voluntários, com idade de 35 a 74 anos, em seis centros de investigação – Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória. “Já produzimos uma série de estudos que têm contribuição importante na definição de parâmetros para a nossa população”, anuncia a coordenadora do Elsa em Minas Gerais, Sandhi Maria Barreto, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina.

Segundo ela, diversas medidas por idade e sexo obtidas pelo Elsa-Brasil vão incorporar novos dados e abordagens à prática médica, em áreas como hipertensão arterial, diabetes, enxaqueca, aterosclerose e osteoartrite. Sandhi Barreto esclarece que os escores de risco usados rotineiramente para estimar a probabilidade de desenvolvimento futuro de uma dada doença – como a coronariana – foram gerados por estudos da população norte-americana ou de outros países desenvolvidos, que têm menor miscigenação, composição étnico-social e hábitos alimentares muito distintos.

“As equações de predição de risco importadas eram o melhor que dispúnhamos, mas agora temos condição de verificar a sua adequação para a nossa população e fazer ajustes necessários”, diz Sandhi Barreto. Como exemplos, ela cita parâmetros biológicos como espessura da camada média-intimal da artéria carótida; duração das ondas e intervalos registrados no eletrocardiograma; referências laboratoriais, incluindo hemograma; exames que avaliam a função renal e enzimas produzidas no fígado. Todos podem variar entre grupos populacionais. “O Elsa pretende contribuir para gerar referências mais adequadas à nossa população”, explica a professora, lembrando que a maior parte do conhecimento nessa área resulta de estudos de grande porte e longo prazo, desenvolvidos em países como Inglaterra e Estados Unidos. Desde 2008, quando iniciou suas atividades, o Elsa-Brasil contabiliza 50 trabalhos publicados – a maioria em revistas internacionais – e o depósito de uma patente de dispositivo que ajuda no estudo e no tratamento da osteoartrite, doença inflamatória e degenerativa das articulações. O dispositivo é fruto do subprojeto Elsa-Musculoesquelético (Elsa-Me), desenvolvido em Minas Gerais por pesquisadores da UFMG [leia na página ao lado].

Ineditismo

O Elsa é o primeiro levantamento epidemiológico longitudinal no país, com população adulta em atividade nos grandes centros e perspectiva de duração de 15 a 20 anos. “É uma pesquisa cara, de longo prazo, que só é possível porque conta com o apoio do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. Quanto mais longo for esse seguimento, maior o benefício, pois maior será o conhecimento que esse esforço vai trazer para a saúde como um todo”, ressalta Sandhi Barreto, lembrando que, apesar de bancado com recursos do Ministério, o projeto precisa, a cada etapa, renovar a garantia de financiamento para a fase seguinte. Segundo ela, estudos longitudinais possibilitam acumular uma série de informações, até mesmo aquelas que não parecem ter significado clínico, mas que podem ser importantes do ponto de vista de predição e de risco para alguma doença.

A coordenadora do estudo na UFMG explica que a amostragem oferece variabilidade suficientemente grande em termos de composição étnica, escolaridade e lugar de residência, de modo que as várias diferenças existentes no país estão representadas no estudo. Do ponto de vista acadêmico, além de gerar teses e dissertações, o Elsa tem estabelecido importantes colaborações internacionais. “Temos apresentado o projeto em congressos e eventos e já recebemos aqui em Minas pesquisadores de países como Estados Unidos e Holanda interessados em comparar seus dados com os nossos e verificar as diferenças entre populações”, diz a professora.

Acervo do Projeto Elsa
Amostragem de voluntários oferece grande variabilidade étnica, de instrução e local de residência
Amostragem de voluntários oferece variabilidade étnica, de instrução e local de residência

Linhas de pesquisa

Com o compromisso social de gerar conhecimento inovador e contribuir para o avanço da saúde pública no país, o Elsa-Brasil busca identificar fatores que influenciam mudanças no estado de saúde, em especial na condição cardiovascular e metabólica. Os artigos já publicados ou em andamento analisam a grande base de dados do programa e oferecem informações para que novas abordagens sejam incorporadas à prática médica. É o caso da medida do espessamento das artérias carótidas no pescoço, usada para determinar o grau da doença cardiovascular aterosclerótica em sua fase subclínica, isto é, quando ainda não produz sintomas. Artigo publicado na revista Atherosclerosis revela a informação inédita da distribuição dessa medida na população brasileira. De acordo com os autores do trabalho, com essas informações, os exames realizados na prática clínica utilizarão o padrão nacional, e não mais o americano.

Quatro artigos produzidos no âmbito do Elsa-Brasil tiveram como objetivo entender melhor fatores associados à enxaqueca, problema que atinge 15% das mulheres e 7% dos homens. Outros estudos revelaram que o brasileiro controla muito mais a hipertensão do que se supunha. “Mas há diferenças na população, precisamos ainda analisar por que alguns têm mais dificuldade nesse controle e quais as características de cada grupo”, esclarece a coordenadora.

Detector de artrose

Criado pela equipe do Elsa em Minas Gerais, o subprojeto Elsa-Musculoesquelético investiga a osteoartrite – também conhecida como artrose – de joelhos e mãos e a dor musculoesquelética em três mil participantes. O trabalho já rendeu depósito de patente e está investindo no desenvolvimento de software, a fim de estabelecer parâmetros, correlações e atlas de medidas para a população brasileira que terão amplo uso na clínica médica.

“Trata-se de suporte de acrílico utilizado para retificar a posição e permitir que se faça a medida mais correta do joelho e, com isso, facilitar a percepção sobre a possível existência de osteoartrite”, explica a professora Sandhi Barreto, uma das autoras do estudo que resultou na patente. O dispositivo patenteado substitui o modelo norte-americano, usado apenas em pessoas com estatura superior a 1,60m.

Nas entrevistas com os voluntários, são coletadas informações sobre presença de dor em diversos locais do corpo, enquanto um teste conhecido como “levanta-senta-levanta” avalia a força nas pernas. O exame radiográfico das mãos e joelhos identifica a presença de alterações compatíveis com osteoartrite. “A dor ósseo-muscular e a osteoartrite estão entre os problemas mais sérios de saúde, porque reduzem muito a qualidade de vida dos indivíduos. Além de serem de alta prevalência, em geral vão se agravando com a idade”, relata a professora. O projeto obteve financiamento da Inova-Incubadora da UFMG, pois, apesar de simples, continha potencial de inovação e de utilidade.

O software que o grupo está desenvolvendo vai ajudar a padronizar a leitura dos dados obtidos pelo dispositivo. O programa deve identificar o tamanho do espaço articular dos joelhos, que diminui com o agravamento da doença. De acordo com a pesquisadora, o software possibilitará uma medição semiautomatizada desse espaço, até então verificado manualmente. O novo processo tende a diminuir o tempo de mensuração e o risco de ocorrência de erros.