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Nº 1891 - Ano 41
09.02.2015

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Pés fincados no campo

Faculdade de Educação forma segunda turma de professores que atuarão em escolas rurais

Anna Luísa Silveira

Habilitar profissionais com visão crítica e conhecimento sobre as questões culturais, econômicas e sociais dos modos de vida e de trabalho das populações de áreas rurais. Esse é um dos objetivos do curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, que forma professores para atuar nas escolas do campo. O curso começou a funcionar em 2005 como projeto experimental. Quatro anos depois, tornou-se oferta regular da Universidade pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

Dividido em quatro áreas do conhecimento – Ciências Sociais e Humanidades, Letras e Artes, Ciências da Vida e da Natureza e Matemática –, o curso oferece uma área diferente a cada ano. Em 2014, a primeira turma graduou-se em ­Ciências da Vida e da Natureza. E na próxima quinta-feira, 12, será realizada a colação de grau da segunda turma regular na área de Língua, Arte e Literatura.

Os 22 formandos vivenciam realidades semelhantes. Para entrar no curso, é necessário que o aluno apresente documentos que comprovem sua relação com a terra, como residência no campo, participação em movimentos sindicais ou mesmo ser filho de camponeses e agricultores. “Nós trabalhamos na ­perspectiva do local para o global. Como o curso é uma licenciatura para as escolas do campo, queremos formar as pessoas que estão lá”, justifica a coordenadora, professora Penha Souza Silva.

Um dos princípios estruturadores do curso é o da Alternância. Surgido na França, o conceito baseia-se na premissa de que os alunos do campo não conseguem passar um semestre inteiro na Universidade sem retornar às suas localidades de origem. Por isso, durante um mês, eles têm aulas em tempo integral (das 8h às 18h) somadas a atividades noturnas no local onde estão hospedados. “Depois os alunos partem para o que chamamos de ‘Tempo Comunidade’, quando são realizadas atividades relacionadas nas comunidades nas quais estão inseridos”, descreve Penha.

Entre o Tempo Escola e o Tempo Comunidade, há uma fase em que os alunos são acompanhados pelos bolsistas da Faculdade de Educação e uma atividade denominada Tempo Comunidade Itinerante. Segundo a coordenadora, nesse último momento, é realizado um encontro de alunos e professores em diversas cidades de Minas. O objetivo é que os alunos circulem e conheçam outras escolas do campo. Isso também ajuda a divulgar o curso nessas regiões, já que a formação por área é pouco conhecida.

Divisor de águas

Com vivências, trajetórias e inserções diferentes, os alunos da turma de Língua, Arte e Literatura reconhecem a importância dessa modalidade de curso para quem mora, atua e deseja permanecer no campo. O modelo de alternância possibilita não só a realização da licenciatura, como também a associação de teoria e prática por esses estudantes ao longo da formação.

“Durante esses quatro anos, discutimos os desafios da educação com a inserção de um elemento novo, a educação no campo. O camponês, o trabalhador rural e o agricultor familiar sempre tiveram negado ou dificultado o acesso à educação. A dinâmica do curso de recorrer aos movimentos sociais para construir uma educação de qualidade no campo é muito importante”, afirma André Sales Lacerda, da cidade de Jordânia, no Vale do Jequitinhonha.

Sheyla Dayane Pavuna de Aguiar, do município de Tumiritinga, Vale do Rio Doce, descreve a sua relação com o campo: “Eu sou filha de um líder de movimento sindical de luta pela terra e de uma alfabetizadora. Do meu assentamento, três pessoas fizeram a inscrição, mas só eu passei no vestibular. A minha afinidade com o curso se deu logo no primeiro momento. Eu me senti em casa com as práticas realizadas, pois elas não visam só a nossa formação pedagógica, mas também a nossa formação política e social”.

Karine da Glória Nunes, de Jenipapo de Minas, também no Vale do Jequitinhonha, tomou ciência do curso por meio do movimento social de pequenos agricultores de sua região. “­Somos do campo, parte do nosso ensino foi no campo e agora a gente tem a possibilidade de pensar uma educação que coloque o homem, o jovem ou a criança do campo como protagonista. Não se trata de pensar apenas um modelo de educação para todos, mas é preciso levar em conta as especificidades dos povos que estão naquele contexto”, defende Karine.

Moradora de Rubim, no Vale do Jequitinhonha, Gilda Rodrigues Rocha afirma que o curso representou um divisor de águas em sua vida, “pela formação, visão de mundo e por estimular a consciência do lugar social que eu ocupo”.