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Nº 1894 - Ano 41
09.03.2015

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Combate à indignidade

Faculdade de Direito instala clínica para prestar assistência a vítimas do trabalho escravo e tráfico humano

Hugo Rafael

Contribuir para o combate ao trabalho escravo e ao tráfico humano internacional é um dos objetivos da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, que começou a funcionar na semana passada na Faculdade de Direito. A iniciativa, coordenada pelo juiz federal e professor Carlos Henrique Borlido Haddad e pela professora Lívia Mendes Moreira Miraglia, doutora em Direito do Trabalho, assemelha-se à desenvolvida na Universidade de Michigan (UM), nos Estados Unidos, com a qual Haddad teve contato no ano passado, durante seu pós-doutorado. Coordenada pela professora Bridgette Carr, a atividade serviu de modelo para a clínica da UFMG. Em Michigan, o professor pôde observar alunos atuando em julgamentos criminais.

“Além do interesse crescente em analisar países da América Latina, em especial o Brasil, notei também o desejo que os norte-americanos têm de difundir essa iniciativa para o mundo inteiro. Na época, já havia um trabalho no México, desenvolvido pela Faculdade Autônoma, além de contatos estabelecidos com equipes da Etiópia, Jordânia, Argentina e Colômbia. Na ocasião, também fui indagado sobre o nosso interesse em participar”, lembra Haddad.

O atendimento na UFMG é feito por estudantes, sob orientação de professores da Faculdade de Direito. Por meio de edital lançado em dezembro de 2014, foram selecionados oito alunos a partir do sexto período do curso. Nesse estágio do curso, segundo Haddad, os estudantes já travaram contato com disciplinas que possibilitam o desenvolvimento de competências que serão utilizadas na clínica, como o conhecimento processual.

Disciplina optativa

Os estudantes que atenderão vítimas de trabalho escravo e tráfico humano também vão cursar a disciplina Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, introduzida na grade curricular. “Embora seja uma disciplina optativa, os oito selecionados que atenderão na clínica devem cursá-la como requisito para participação no projeto”, ressalta o professor. As 22 vagas remanescentes ficarão disponíveis para os demais alunos da Faculdade. “Nessa disciplina, os alunos vão aprender técnicas de interrogatório e entrevista e elaboração de peças processuais. Vamos contextualizar o tráfico de pessoas e o trabalho escravo no Brasil e no mundo. Nossa ideia é aliar a assistência judiciária às vítimas dos crimes à experiência acadêmica e curricular dos estudantes, unindo teoria e prática”, afirma Haddad.

A legislação brasileira ainda não tem incriminação específica para o tráfico de pessoas. “Diferentemente de outros países, em que há uma tipificação definida do tráfico de pessoas para determinados fins, não temos o tráfico para trabalho escravo previsto na legislação brasileira. Mas essa atividade praticada em um contexto de tráfico humano poderia tornar a conduta ainda mais grave, agravando a pena”, avalia o magistrado.

O professor Haddad ressalta as diferenças entre o trabalho em Michigan e o que começa a ser desenvolvido na UFMG. “Lá, a atuação da clínica se dá principalmente na área cível. Em alguns casos, eles ajudam a vítima a mudar de nome para se proteger do agente que a traficou. Em outros lugares, o objetivo é regularizar a situação de imigração. No México, por exemplo, o trabalho está focado em processos criminais. Como no Brasil há a Justiça do Trabalho, que não existe em grande parte dos países, nossa atuação também abrangerá esse campo”, avalia.



Minas lidera estatísticas

Dados da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo revelam que Minas Gerais foi, em 2014, o estado brasileiro com o maior número de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão: 354. Em seguida, figuram Goiás, com 141, e São Paulo, com 139. No país, o número de trabalhadores resgatados chegou a 1.590.

“Quando atuei no Pará, entre 2006 e 2010, o estado era um dos líderes dessa lista. Fiquei um pouco surpreso ao saber que, hoje, Minas Gerais registra o maior número de pessoas resgatadas. Acredito que esses números podem refletir algumas tendências: a transição do trabalho escravo rural para o trabalho urbano e o aperfeiçoamento da fiscalização do Ministério do Trabalho, mais atenta, por exemplo, a empresas dos ramos de construção civil e confecção de roupas”, avalia Haddad.

O professor também acredita que não se deve ignorar a influência do tráfego voluntário – tanto de estrangeiros que chegam ao país quanto de brasileiros que mudam de estado em busca de melhores condições de vida. “São pessoas que quase sempre se encontram em situação vulnerável, lidando com a necessidade de trabalho para sustentar suas famílias e a impossibilidade de voltar para seus locais de origem. Por isso, acabam se tornando alvos fáceis do trabalho escravo”, conclui.



Local de funcionamento: Faculdade de Direito da UFMG
Endereço: Avenida João Pinheiro, 100, 14º andar, sala 1404 – Centro, Belo Horizonte
Telefone: (31) 9688-8364
E-mail: clinicatrabalhoescravo@gmail.com
Horário: às segundas-feiras, das 11h às 17h, e às sextas-feiras, das 13h às 17h

(Versão condensada de matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 2 de março de 2015)