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Nº 1894 - Ano 41
09.03.2015

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O poder dos ‘burocratas da rua'

Pesquisa da FaE analisa papel dos agentes públicos de base na implantação de programas de transferência de renda

Itamar Rigueira Jr.

Sérgio Amaral/MDS
Assistente social do Cras atende beneficiária de programa social: ponte entre governo federal, estados e municípios
Assistente social do Cras atende beneficiária de programa social: ponte entre governo federal, estados e municípios

Quando se fala em decisões relacionadas à implantação de políticas públicas, o que primeiro vem à cabeça são reuniões em gabinetes de ministérios, assinaturas e entrevistas à imprensa. Mas alguns estudiosos, como o americano Michael Lipsky, subvertem o senso comum para mostrar que agentes públicos que mantêm contato direto com o cidadão – e tomam decisões a todo momento – detêm, na prática, poder considerável.

O economista e administrador público Breynner Ricardo de Oliveira investigou – para tese defendida no Doutorado Latino-americano, da Faculdade de Educação da UFMG – a atuação dos “agentes de ponta” dos programas Bolsa Família (Brasil) e Oportunidades (México). Ao analisar os processos de implementação dos programas com base na condicionalidade educacional, o estudo revelou aspectos do funcionamento das redes de “burocratas ao nível da rua”, para usar a tradução literal da expressão consagrada por Lipsky.

“Quando pesquisei o programa Bolsa Escola para o mestrado, percebi a relevância do papel dos agentes que atendem os usuários no dia a dia. E resolvi fazer o estudo comparado das realidades brasileira e mexicana sob a perspectiva dos profissionais da educação, da assistência social e dos técnicos envolvidos”, conta Breynner, que escolheu para o trabalho de campo duas escolas em área de pobreza extrema na Regional Leste de Belo Horizonte e outras duas na cidade San Luis Potosí, no México.

O Bolsa Família e o Oportunidades são programas de transferência de renda baseados em condicionalidades nas áreas da saúde e da educação; as famílias devem comprometer-se com contrapartidas. A pesquisa mapeou, nos dois países, as rotinas, interlocutores, processos decisórios, condições materiais e desafios enfrentados pelos agentes.

Cooperação

Apesar de os programas terem arcabouços teóricos e regulatórios parecidos, há diferenças no que se refere a arranjos institucionais e operativos. Enquanto o sistema mexicano é gerido de forma centralizada pelo governo federal, que mantém representantes por todo o país, no Brasil a gestão é compartilhada com estados e municípios. “O Bolsa Família pressupõe cooperação intersetorial, envolvendo escolas e postos de saúde, por exemplo. Diretoras, professoras, enfermeiras estão vinculadas na gestão cotidiana do programa”, explica o pesquisador.

Na pesquisa do doutorado, ele percebeu a importância do Centro de Referência em Assistência Social (Cras), que funciona como porta de entrada para as políticas sociais e ponte entre governo federal, estados e municípios. “O controle da frequência escolar emergiu como ponto de tensão e vinculação entre os atores e instituições envolvidas”, enfatiza Breynner, professor da Universidade Federal de Ouro Preto.

Segundo o autor da tese, esse é um fator que dá margem a diversos arranjos e combinações envolvendo os agentes dos diferentes órgãos. “Uns mais que outros, eles têm atitudes de solidariedade e chegam a envolver-se pessoalmente com as famílias. Alguns são mais resistentes, sobretudo se não se identificam com os princípios que regem os programas, e outros, pelo motivo oposto, são mais comprometidos”, observa o professor, acrescentando que há também disputas quanto às atribuições de cada órgão. Ele lembra que diferenças associadas aos saberes e formações desses agentes ajudam a alimentar conflitos.

México

De acordo com o pesquisador, o Oportunidades valoriza mais o componente saúde quando se trata das contrapartidas por parte das famílias – recursos são transferidos para postos de saúde e não para as escolas. Outra distinção com relação ao Bolsa Família: o Ministério da Educação mexicano é mais refratário à cooperação com outras instituições, e o mesmo acontece com os professores, no nível local.

“Outro aspecto importante é que, como as escolas públicas precisam desenvolver estratégias próprias para arrecadar recursos financeiros (no México, as famílias são induzidas a pagar anuidades às escolas públicas), alguns diretores consideram os alunos beneficiários fonte de receita para suas escolas. Esse também pode ser um motivo das tensões percebidas no programa mexicano”, afirma Breynner Oliveira, que passou três meses no país da América do Norte.

Ele destaca ainda que o desenho e a prática do Oportunidades parecem incentivar certa subserviência dos beneficiários mexicanos, que se mostram mais dependentes que os brasileiros. “Lá, eles participam regularmente de reuniões que reforçam os aspectos burocráticos do programa e de momentos de instrução social e motivacional. Por outro lado, o governo central tem mais ciência do que ocorre em nível local que o do Brasil, que ainda enfrenta o grande desafio de aperfeiçoar o acompanhamento das ações nos municípios”, completa Breynner Oliveira.



Tese: A implementação dos programas Bolsa Família e Oportunidades sob a perspectiva da condicionalidade educacional: uma análise a partir dos agentes públicos de base
De: Breynner Ricardo de Oliveira
Orientadora: Maria do Carmo Lacerda Peixoto
Defesa em março de 2014, no Doutorado Latino-Americano em Educação: Políticas Públicas e Profissão Docente (FaE)