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Nº 1895 - Ano 41
16.03.2015

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opiniao

Theodor Adorno e o processo de “liquidação” da cultura

Alexandre Flores Alkimim*

A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.

(George Orwell)

Toda obra de arte traz em si o caráter de exponibilidade, ou seja, só existe na medida em que pode ser contemplada e fruída. No entanto, a arte sob a égide do mercado quase sempre se converte em algo contrário a tudo isso: em coisa a ser tão somente consumida e nunca para ser conhecida e apreciada esteticamente. Melhor dizendo: a cultura, nesse aspecto, serve apenas para mascarar e ocultar a realidade social na qual foi gestada e constituída.

Nesse contexto, com o advento dos novos meios de comunicação, as obras de arte poderiam se tornar bem mais democráticas, de acesso mais abrangente e menos limitado. A ideia aqui é a da democratização da cultura, cujo princípio básico é o direito do acesso universal à informação, à produção e ao usufruto de bens culturais, de modo que não sejam privilégios de alguns poucos.

E qual seria então o papel dos meios de comunicação nesse processo? É o de democratizar ou é o de massificar a cultura? Para Adorno, obviamente é o de massificar. E por que isso?

Para o filósofo alemão, a cultura de massa visa apenas transformar os bens culturais em mero valor de mercado: existem obras de elevado custo e consideradas raras, reservadas aos que podem pagar por elas, criando assim um staff e uma elite no âmbito artístico-cultural. Por outro lado, há obras de baixo custo e disponíveis a todos, destinadas à massa. Dessa forma, a referida cultura, em vez de disponibilizar a todo mundo o acesso à produção cultural, promove e institui aquilo a que se pode chamar de divisão social entre aqueles que são “cultos” e os que são “incultos”. E o que é a massa? Nada menos do que um aglomerado sem forma e sem identidade, destituído do pleno direito à cultura.

Adorno ainda ressalta o fato de os meios de comunicação de massa criarem a falsa ideia de que a todos é dado o direito e são oferecidas as mesmas oportunidades de acesso aos bens produzidos culturalmente. Como se a cada indivíduo fosse permitido optar por aquilo que melhor lhe conviesse e aprouvesse, consumindo mercadorias e objetos por sua livre escolha. Se observarmos com atenção os horários da programação de rádio e de televisão, bem como as publicações vendidas em bancas de jornais e revistas, fica claro que as empresas responsáveis pela produção e distribuição de tais produtos determinam previamente – inclusive por intermédio dos preços – o que cada setor da sociedade está autorizado a ler, ver ou ouvir. No caso da mídia impressa, esse fenômeno é um tanto evidente, pois basta examinar os diversos tipos de publicações para se perceber a diferença do material gráfico, além da própria manchete e o teor das matérias que representam, de fato, os diferentes níveis de consumidores e o tipo de informações a que eles têm direito.

Ademais, é interessante observar que os veículos de comunicação e os seus diversos mecanismos de disseminação (os mass media e a indústria cultural) concebem um tipo de “sujeito” que pode ser assim expresso e definido: o espectador, o ouvinte e o leitor “médios” que carregam em si certas atribuições e características que lhes são próprias: capacidades mentais consideradas “médias”, conhecimentos e gostos tidos como “médios” e a oferta de artigos culturais também tachados de “médios”. Sob efeito da indústria cultural, a cultura sofre um estranho processo de transformação, para não dizer vulgarização, quanto às suas principais atribuições: trabalhar o pensamento e a imaginação, desenvolver a reflexão crítica e o senso estético, difundir ideias e expressar sentimentos. A palavra de ordem agora é vender e vender cultura de forma abundante e irrestrita. Para isso, tal indústria precisa, portanto, agradar o “cliente”, tentar seduzi-lo e agraciá-lo com os seus inúmeros produtos, os quais oferecem imediata satisfação.

O propósito dessa indústria é o de simplesmente confundir cultura com entretenimento, arte com pura diversão. Se a proposta fosse realmente fomentar ideias e estimular o intelecto, ela tão logo seria descartada e deixada de lado, uma vez que exigiria certo nível de dedicação e algum esforço nessa direção. Assim, toda atividade artística que requer determinado grau de maturidade e de inteligência é muito pouco explorada economicamente e difícil de ser comercializada.

A regra é uma só: massificar e banalizar a cultura e proibir qualquer manifestação contrária à lógica da alienação cultural e do pensamento único. Como nos diria o próprio Adorno: “A indústria cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”, para daí então afirmar: “O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer. Ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto”.

*Pedagogo, graduando em Filosofia e técnico em assuntos educacionais da ­ Pró-reitoria de Graduação