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Nº 1895 - Ano 41
16.03.2015
Teresa Sanches
Foca Lisboa |
Patrícia Oliveira: alterações nos parâmetros maternos interferem no comportamento da prole |
Uma situação de risco pode acarretar significativas alterações biológicas e emocionais não apenas nas fêmeas em exposição, mas também na sua prole até a fase adulta. É o que revelam resultados inéditos de estudos realizados por equipe interdisciplinar da UFMG com ratas Wistar submetidas à frequência sonora de 22 kHz, valor de grande impacto emocional para os animais.
O trabalho, cujas conclusões foram publicadas recentemente no Journal of Behavioral and Brain Sciences, também mostrou que a exposição aos sons de 22 kHz afetou de forma distinta os comportamentos de fuga e esquiva que se relacionam com os estados de “medo e de ansiedade”, respectivamente, dos animais.
O objetivo do estudo, segundo a pesquisadora Patrícia da Silva Oliveira, coautora do artigo e que acabou de defender tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Neurociências, foi avaliar os efeitos dessa exposição tanto nas fêmeas grávidas quanto na prole. Para tanto, foi utilizado o labirinto em T-elevado (LTE) para avaliar a latência nas tarefas de esquiva e fuga.
Segundo a bióloga, os testes realizados com as fêmeas Wistar se basearam nesses estados comportamentais. Aquelas submetidas aos sons de 22 kHz revelaram diminuição no “estado de ansiedade”, ou redução da latência da tarefa de esquiva, sem efeito na tarefa de fuga, depois de serem expostos a nova situação aversiva.
“Foi surpreendente, porque esperávamos uma reação contrária dos animais. Essa frequência de 22 kHz é emitida em situações de punição ou de risco. Enfim, esperávamos que, diante de nova exposição aversiva, os ratos apresentassem alterações no comportamento de medo, fugindo com maior rapidez. Mas o que observamos foi uma diminuição da ansiedade, medida pela latência da tarefa de esquiva”, afirma.
Uma das hipóteses é que a exposição crônica tenha causado uma “habituação”, ou seja, as fêmeas diminuíram a intensidade da resposta à medida que foram expostas de forma repetitiva ao estímulo aversivo.
Outro resultado inédito foi identificado nos filhos, já na fase de jovens adultos. A hipótese mais provável, destacada pela pesquisadora, é de que a exposição aos sons de 22 kHz alterou parâmetros biológicos maternos, interferindo diretamente no comportamento e na neurobiologia da prole, o que perdurou até a fase adulta. “Quando expostos novamente à situação de risco, mesmo sem a capacidade de ouvir na fase gestacional (ratos só escutam a partir dos 14 dias de vida), eles também demonstraram comportamento ‘menos ansioso’ do que o dos animais expostos a essa frequência sonora pela primeira vez”, afirma.
Segundo Patrícia da Silva Oliveira, a amplitude dessas conclusões só foi possível graças ao caráter multidisciplinar da pesquisa. “O estudo envolveu abordagens de diferentes áreas do conhecimento, como biologia, psicologia e engenharia. Um dos desafios, por exemplo, foi a criação de equipamento capaz de emitir os ultrassons de 22 kHz, desenvolvido com a colaboração de meu coorientador, o professor Hani Camille Yehia, do Departamento de Engenharia Eletrônica, da Escola de Engenharia”, comenta.
Para Patrícia Oliveira, os estudos da UFMG contribuem com resultados sobre substratos neurobiológicos dos comportamentos de ansiedade e medo que, somados a dados de outras pesquisas, podem ser aproveitados nas inferências sobre o comportamento humano.
A pesquisadora explica que os estados de ansiedade, pânico e medo observados em seres humanos são definidos em várias situações de avaliação de risco, que permitem às pessoas tomar decisões frente a um perigo iminente, ou que às vezes nem é real. “Quando quero atravessar uma rua, por exemplo, avalio os riscos pela observação do tráfego. Quanto maior minha ansiedade, mais ‘travada’ eu fico. Uma pessoa em pânico está com o nível de ansiedade tão elevado que não consegue reagir”, explica a pesquisadora.
Os testes foram realizados com 32 fêmeas de ratos Wistar, distribuídas em quatro grupos de oito. Na primeira fase, foram avaliados o controle de não grávidas, a exposição crônica das não grávidas, o controle das grávidas e a exposição crônica das grávidas.
Em uma segunda etapa, foram envolvidos 48 filhotes machos, selecionados aleatoriamente, sendo três de cada fêmea. Eles foram separados em quatro grupos de doze. O primeiro foi submetido à exposição crônica intrauterina; o segundo, à exposição aguda na idade adulta; o terceiro, à exposição crônica durante a fase intrauterina e exposição aguda na idade adulta. Por fim, o grupo de controle não sofreu qualquer exposição.
Ao utilizar o labirinto em T-elevado (equipamento composto de um braço fechado na vertical e outro aberto na horizontal, em formato de T), os pesquisadores puderam mensurar as latências de esquiva e de fuga – comportamentos usados, respectivamente, para avaliar os estados de ansiedade e medo.
Enquanto está no braço fechado, o rato se sente protegido de situações aversivas como luz e altura. Mas a curiosidade – comportamento inato de exploração do ambiente – o faz procurar o braço aberto do T-elevado. Lá, o animal se põe diante de um perigo iminente: exposição à luz e à altura (1,5 metro do chão).
O tempo que o animal demora para sair dessa zona de perigo é mensurado pela latência de esquiva inibitória, que identifica o nível de ansiedade. Em outro momento, quando o pesquisador coloca o mesmo animal no final do braço aberto, ou seja, diante de um perigo real, é utilizada a latência de fuga para mensurar o seu nível de medo.
Os testes com as fêmeas grávidas duraram cerca de 50 dias. O período de gestação nas ratas Wistar é de 21 dias. Com a prole foram gastos aproximadamente 70 dias, incluindo as etapas de adaptação, treino e teste.