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Nº 1897 - Ano 41
30.03.2015

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Espera lúdica

Projeto de extensão promove, no Hospital das Clínicas, atividades artísticas para adolescentes e suas famílias

*William Campos Viegas

O dia de consulta no ambulatório São Vicente de Paula, do Hospital das Clínicas da UFMG, é aguardado ansiosamente por Stefany Oliveira. Nem as quatro horas de viagem de Formiga, no Centro-Oeste mineiro, a Belo Horizonte, desanimam a adolescente. “Não tem cansaço. No ônibus, só fico imaginando o que vou pintar e encontrar os amigos que fiz nesses cinco meses no hospital”, conta.

A jovem, de 15 anos, é um dos 80 adolescentes atendidos, mensalmente, pelo projeto de extensão Arte na espera, que promove, sempre às sextas-feiras, das 8h às 12h, no segundo andar do ambulatório, atividades artísticas com os pacientes que aguardam atendimento. “Adoro pintar rostos. Quando estou desenhando, consigo expressar minhas emoções e sentimentos”, afirma Stefany.

A ideia é acolher, por meio da arte, os jovens e suas famílias. “Frequentemente, muitos pacientes reclamam de solidão. Aqui, encontram um lugar para contar suas histórias e sofrimentos, seja nas conversas com a equipe, seja nas oficinas. Eles se sentem confiantes e valorizados”, relata a professora Cristiane de Freitas, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e uma das coordenadoras do projeto.

Com foco nas artes, a iniciativa, interinstitucional, começou na Escola Guignard, da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). A partir de 2013, passou a integrar o Laboratório A janela da escuta, do Núcleo de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas, e o Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina.

Segundo Cristiane, as atividades estimulam a criatividade e aproximam profissionais e pacientes. “A arte dribla a demora entre as consultas e propicia a criação de laços entre as mães, os adolescentes e a equipe. Eles participam efetivamente das atividades, cuidam da sala e trocam experiências”, explica.

O projeto, que também está implantado no Centro de Tratamento e Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias Orestes Diniz (CTR-DIP), também no HC, conta com equipe multiprofissional, formada por pediatras, médicos, fisioterapeutas, psiquiatras, assistente social, nutricionista, entre outros. “É um espaço interdisciplinar, com residentes, alunos de especialização e bolsistas, onde se trabalha, de forma integrada, a construção do caso clínico. Os trabalhos desenvolvidos pelos jovens também são utilizados quando os profissionais se reúnem para avaliar e discutir cada caso”, explica Cristiane.

No ambulatório, são atendidos jovens de 10 a 25 anos, encaminhados pela rede pública de saúde, pelas escolas e pelo sistema socioeducativo. Entre os casos mais comuns, estão pacientes que sofrem de doenças crônicas, psíquicas, fracasso escolar ou que passaram por algum tipo de violência.

Liberdade para criar

Dispostos em uma mesa, papel, lápis de cor, tintas, giz de cera, argila, gravuras, moldes e outros materiais estão a serviço da imaginação de cada jovem. “Nosso trabalho leva em consideração o desejo e as sugestões dos adolescentes. Eles têm liberdade de criação e podem escolher entre desenhar, escrever, pintar, fotografar”, explica a idealizadora e coordenadora artística do projeto, Thereza Portes, professora da Escola Guignard, da Uemg.

Além de refutar o modelo tradicional de atendimento da saúde, em que os pacientes aguardam sentados na sala, o projeto permite aos participantes o contato com artes diversas. “Já tivemos xilogravura, cinema, mostra de artes visuais, exposições, performances e intervenções”, afirma Thereza. Uma das atividades de maior sucesso são as sessões de cinema. No ano passado, o projeto recebeu parte da 12ª Mostra Udigrudi Mundial de Animação.

O contato com as artes também tem incentivado os participantes, como a estudante Beatriz Santos, de 16 anos. “Sempre gostei de escrever e fotografar, mas, desde que entrei no projeto, passei a me interessar por pintura. Muitos artistas vêm aqui, contam suas histórias, mostram seus trabalhos e motivam a gente a criar”, comenta.

No Arte na Espera, os familiares também têm vez. Enquanto os filhos estão envolvidos em suas criações, as mães fazem fuxico, crochê e bordam uma toalha usada durante café coletivo. “Conversamos sobre os nossos filhos, desabafamos. É uma terapia e não dá vontade de ir embora”, conta a mãe de Stefany, Marilze Rolim.

Para a bolsista de extensão Lilian Brandão, aluna do 7º período do curso de Artes Visuais, as atividades vão além da arte. “O contato diário com os pacientes me ensinou a ouvir o outro, a crescer como educadora artística e como pessoa”, revela.

Recentemente, o Arte na Espera foi premiado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-americana de Saúde. Entre 90 trabalhos de todas as regiões do país, o projeto foi escolhido, assim como outras cinco iniciativas de Acre, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, experiência inovadora na atenção integral à saúde de adolescentes e jovens.


*Bolsista de Jornalismo da Assessoria de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão